A Palavra Livre de Mortágua
Sexta-feira, 16 de Março de 2012
No Comboio Descendente...

É este o nome duma música do saudoso Zeca Afonso, com poema de Fernando Pessoa. Versa sobre um grupo de pessoas numa sociedade decadente, cuja metáfora é o comboio descendente, em que todos fazem alarde sem outra razão para além do alarde em si, ninguém discute nada apenas praguejando uns contra os outros num diálogo de surdos, em que se dorme sem se dar conta e sem ver a relidade do país que se desfila perante os seus olhos do lado de fora da janela.

Assim parece a nossa Assembleia Municipal, uns falam por ver falar os outros e os outros sem ser por nada.

Mas vamos ao cerne da coisa.

Na última sessão da Assembleia Municipal, que por sinal outra ordem de trabalhos não tinha a não ser a que por lei é obrigatória, foi apresentada pelo CDS uma proposta de tomada de posição cuja autoria é do organismo local da Ordem dos Advogados (OA) – isto ao que me foi possível apurar, pois a Assembleia Municipal continua a “boa” prática de não publicar no sítio internet da autarquia, como assim dita a Lei, nenhum documento que a esta diga respeito. Religiosa e dogmaticamente a bancada do PS votou contra. Não lhe interessou por certo sequer o conteúdo da propsta nem tampouco lhe interessam as competências Legais do Parlamento Municipal, como já o CDS bem referiu neste mesmo jornal, tal é a feudal subserviência ao centralismo executivo que se vive no nosso concelho(centralismo este que nada de democrático tem).

Ora, era conteúdo da proposta da OA apresentada pelo CDS a Assembleia Municipal decidir aprovar e apresentar protesto junto das respeitantes entidades do Governo Central da República contra a “despromoção” do Tribunal da Comarca de Santa Comba Dão. Mas no que resulta de facto essa “despromoção”?

Os Tribunais detêm várias competências, de entre as quais o Tribunal de Santa Comba dão tem, para além das competências genéricas, as seguintes: Cível, Penal, Família, Menores e Comércio. De acordo com o “Ensaio para Reorganização da Estrutura Judiciária”, apresentado pelo Governo de Portugal em Janeiro passado, de todas aquelas competências só a genérica restará ao tribunal de Santa Comba Dão, se for aplicada esta “proposta” de reforma. Seja essa proposta aprovada e o volume expectável de acções judiciárias a darem entrada neste Tribunal será reduzido para metade, de 1154 para 601. Cabendo a Mortágua, grosso modo, um terço da população da Comarca de Santa Comba Dão poderemos pacificamente extrapolar que lhe caiba também um terço das acções entradas, o que se traduz praticamente a uma por cada dia útil do ano. Quer dizer que todos os dias alguém de Mortágua terá que se passar a deslocar a Viseu para intentar acção judicial – refira-se que as pessoas o fazem quando se sentem lesadas nos seus direitos e não por simplem diversão, como é óbvio. Esta deslocação a Viseu será feita a custas de cada um dos Mortaguenses, seja em deslocação própria – por meio de automóvel pessoal ou com recurso às, ainda que funcionais ao contrário do que o CDS afirma, parcas, morosas e dispêndias soluções de transportes públicos existentes – ou seja pelos seus advogados que por certo cobrarão de honorários uma horinha na ida e outra na vinda.

Mas a tudo isto o grupo do PS na Assembleia  Municipal é insensível, assim não fosse e teriam pelo menos considerado a discussão, aind que não da proposta do CDS, pelo menos do assunto em si não o rejeitando e ignorando liminarmente. Orgulhosamente sós, poder-se-à dizer.

Por seu lado, o CDS, arrogado de bombeiro popular, incapaz de ver e entender a realidade do concelho vai criando pequenas questões para apresentar soluções que sabe à partida não serem aceites, qual soldado da paz pirómano que na incapacidade de encontrar incêndios no horizonte perceptivo que é o seu quintal vai ateando pequenos fogos, que se esfumam mais rápido que bombinha de Carnaval, para tão só alimentar, e passo o pleonasmo, a sua onanistica monomania incendiária.

Grande preocupação traz o CDS sobre esta reforma do mapa administrativo judiciário, mas cala-se quanto à generalidade dos atropelos que sistematicamente têm vindo a ser feitos à próximidade entre as populações e as mais diversas sub-estruturas administrativas estatais, todas elas diversas no seu âmbito geográfico: sub-região de saúde, mapa eleitoral, organização territorial para fins estatisticos, etc, etc, etc.....

Ignorante da realidade não será por certo alheia a esta proposta do CDS a ocupação profissional dos seus máximos representantes nas estruturas locais de poder.

Já agora, das organizações e re-organizações dos mapas propriamente ditos.

Uma vez mais, e na pressa de agradar a não se sabe bem quem, vamos perder uma oportunidade de fazer algo que jeito tenha. Querem agrupar freguesias, algumas das quais, é preciso admitir, não são nem históricamente foram nunca adequadas, sem a menor preocupação pelo rigor fundamentando-se seja em estudos sérios seja no auscultar das vontades populares. Não será, como se diz, a régua e esquadro mas será algo do género das colagens que fazem as crianças no jardim de infância. Os erros que existem continuarão a existir, pois a colagem de freguesias não os faz desaparecer, tão só os agrega e aumenta.

Mas na verdade ninguém poderá ignorar que será necessário rever o mapa administrativo, velho de 180 anos. Mas esta organização deveria ser feita de alto a baixo, assim como sucedeu do trabalho de Mouzinho da Silveira. A saúde, a divisão politoco-administrativa (consubstânciada os Distritos), a agricultura, as florestas, as estradas e outros deveriam ser reordenados em uníssono criando novas unidades territoriais, unidades essas às quais correspondessem órgãos de poder local e regional. O que se deveria de facto estar a discutir era uma verdadeira Regionalização do País e não um conjunto de medidas de cariz puramente populistas.

Como já perguntei há uns tempos: “Propostas, Senhores, tendes? Não, claro que não.”

Seguis contentes e alegres neste comboio descendente que à vez conduzis.

 

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

 

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

 

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão


música: http://youtu.be/hhlFE0PxsYM
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Sexta-feira, 28 de Outubro de 2011
À Capela

Num feito quase que inédito, sem ocorrências pelo menos nos últimos anos, ficámos a saber o que pensam os ”homens fortes” do nosso Concelho. Qual dueto à capela, de voz bem ensaiada, saiem a terreiro o Presidente da Câmara e o Presidente da Concelhia de Mortágua do Partido Socialista.

Digo que num feito a raiar a inovação porque não se dignam, por hábito estes senhores, a vir às páginas dos jornais dizer o que na alma lhes vai no que toca a esta Municipal Coutada. De discurso em perfeita consonância ficamos a saber que quer um quer outro são duma figadal oposição à proto-proposta de reordenamento do território feita por o Governo da Nação – Governo que agora, ao que parece, ninguém ajudou a colocar no poder.

Se é errada a proposta do Documento Verde da Reforma da Administração Local? É, muito errada. Mas porque é errada? Por ser dum Governo PPD-CDS? Não, claro que não, até porque o PS não faria por certo melhor figura, pelo que se pode ver dos autos de filosofia administrativa dos dois Socialistas redactores. Mas já lá vamos.

A proposte é errada porque se faz numa época de profunda recessão e, como tal, se realiza por motivos meramente financeiros, assim nos dizem. Ora, quando mexemos em algo de tão importante como o Poder Local – legitimo representante das vontades e anseios do Povo, e seu órgão mais próximo – por motivos meramente monetários sabemos por certo que quem vai sofrer é o Povo.

Quantos aos motivos apresentados por dois tão ilustres colunistas, restando depois tão só saber quem se senta no Olimpo e quem calça as aladas botas de Hermes, talvez seja devido um olhar mais atento:

  1. Apregoam-se “(…) os sentimentos das pessoas ligadas a um determinado território, à sua história e ao seu passado.” como se grande defensor destes valores fosse o nosso inquestionável Olimpo. Mas onde estavam essas vozes quando se jogaram abaixo as chaminés da cerâmica da Gandara. Ou quando se autoriza a demolição à volonté de tudo quando seja edifício mais antigo em Mortágua, por vezes por mão do próprio Poder Local? Quando, por engano, vão de facto buscar e reavivar algo do passado transvestem-no de histórias fantasiosas e ludibriosas justificações, como foi com o caso da Chanfana.
  2. Acusam-se os mentores deste projecto dum “(…)calculismo de quem faz em termos de futuros resultados eleitorais”. Não será pelo mesmo motivo que tomam estes por perigoso o agrupar de freguesias? Isto num dos Concelhos mais laranjas do Cavaquistão. Talvez a velha e repetitiva rosa que aparece a cada 4 anos no nosso Concelho se visse em apuros com uma capacidade de trabalho acrescida das novas Juntas de Freguesia, pois com mais população vem mais (ainda que pouco) dinheiro e menos dependência do municipal financiamento.
  3. Quanto aos «(…)muitos dos “pequenos” problemas(…)» que resolvem as Juntas (e aqui defendo claramente que a continuidade isolada de algumas das mais pequenas Freguesias deveria ser reconsiderada), não se resolveriam mais e de forma mais eficaz tivessem as juntas de freguesia um atendimento alargado através de um funcionário e, quando necessários, de extensões “dispersas” pelo território da Freguesia? E aí sim, ser o derradeiro patamar de contacto entre as Populações e o Poder e não uma mera embaixada da Câmara Municipal.
  4. Por fim resta perguntar onde está essa atitude de nunca se furtar «(…) à discussão, ao debate de politicas e acções (…)»? Num Concelho em cuja Assembleia Municipal se ouve dizer que «(…) não cabe ao Presidente da Câmara fazer a papinha à oposição (…)» quando esta requer (deveria a meu ver exigir) ter conhecimento de estudos na posse da Câmara Municipal. Basta pegar nas três publicações locais que abrangem o nosso Concelho e ver que nem ideias ou «(…) ou acções que pudessem constituir quaisquer rupturas ou menor aplauso público.» nem outras que sejam de aceitação mais pacífica vêm à discussão pública. Pois quanto às primeiras poder-se-ía ouvir o que se nã gosta e da segunda é sempre preferível o eleitoralista golpe do espetáculo dos grandes anúncios tão caracteristicos aliás deste PS, como se pode ver na pomposa cerimónia de anúncio de construção da Auto-Estrada da Beira Interior.

Propostas, Senhores, tendes? Não, claro que não. Dói-vos o facto de não estardes no Poder Nacional e, como tal, não poder retalhar o eleitoral mapa nacional a vosso bel-prazer.

Nada dizendo não se comprometem e assim poderão mais tarde apontar como errado qualquer que seja o caminho a seguir. Há os que lideram e os que seguem. Os primeiros levantam-se e afirmam, os demais quedam-se à espera de estar na mó de cima e, enquanto não estão, silênciosamente assistem ao desenrolar dos acontecimentos lançando farpas a tudo o que se faça e diga. Que dirieis vós caso uma ideia agora por vós defendida viesse aquela a ser posta em prática? Não… isso não pode acontecer, poder-se-ía notar que afinal de um a outro (entenda-se PS e PPD, com ou sem CDS) a diferença e o móbil não é afinal tão diverso.

Aprumai-vos senhores, falai com o Povo que representais e então defendei a melhor solução antes que “a desgraça” – como ireis depois caracterizar o sucedido – suceda. Estar ao lado do Povo é antecipar e encaminhar o rumo da sociedade de acordo com a vontade deste e não esperar matreiros, a um canto, que os outros sigam para depois lhes “morder nas canelas”.


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Sábado, 27 de Agosto de 2011
Pendências e Modernices

 

1.     A Sofismada Truncagem

Na edição passada deu este jornal à estampa um texto com o título “A Liberdade de Escolher”. O seu autor usa-se de fontes várias para tentar explicar o que parece desconhecer, como se pode verificar por uma leitura atenta do seu escrito, sobretudo se em justaposição às fontes enunciadas. Neste exercício são suprimidas partes fundamentais dos textos que lhe servem de apoio, sem se preocupar em assinalar essa supressão, para justificar a sua opinião.

Confunde os conceitos de Bolchevique com Velha Guarda Bolchevique, ao copiar a parte errada da página da Wikipédia[i]. Suprime cirurgicamente quer palavras quer frases da definição de Centralismo Democrático patente na Infopédia[ii]. Quanto à referida fonte do ISCTE nada poderei afirmar pois não a consegui encontrar, mas ainda assim faço fé na sua palavra. Encontrei no entanto num site brasileiro sobre as ciências humanas num texto intitulado “Centralismo Democrático”[iii] que me parece ser bastante semelhante ao utilizado.

Mas de todas a mais insidiosa é a truncagem do excerto que copia dos Estatutos do Partido Comunista Português.

Deixo aqui tão só a correcção e a cópia, na íntegra, do conteúdo do artigo 16º, ponto 2, alínea h) dos Estatutos do Partido Comunista Português[iv] e convido o leitor a compará-lo com a redacção que o referido escriba lhe deu no referido texto:

“Artigo 16º

2. São princípios orgânicos fundamentais:

h) O cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções - entendidas como a formação de grupos ou tendências organizadas - que desenvolvam actividades em torno de iniciativas, propostas ou plataformas políticas próprias.”

Deixo-vos também a transcrição de um pedaço dos Estatutos do Partido Socialista[v], Partido a cuja Organização Concelhia o referido autor preside. Deixo-a para que possam descobrir outras diferenças, para além da semântica, entre um e outro preceito:

“Artigo 6º (Do direito de tendência)

1. O Partido Socialista reconhece aos seus membros o direito de identificação com correntes de opinião interna compatíveis com os seus objectivos e de se exprimirem publicamente no respeito pela disciplina partidária.

2. Não é admitida a organização autónoma de tendências nem a adopção de denominação política própria.”

Passemos então à história e será de começar por uma pequena referência linguística. Em russo diz-se bolche (больше) para dizer maior, e menche (меньше) para dizer menor. De onde temos Bolchevique (большевик) – partidário do maior (ou da maioria) – e Menchevique (меншевик) – partidário do menor (ou minoria).

No 2º Congresso[vi] do Partido Social Democrata dos Trabalhadores Russos (PSTDR), realizado em 1903 em Bruxelas e Londres, é delineada uma clivagem que viria a perdurar até aos dias de hoje entre os partidos (ou partidários) defensores, ou ditos defensores, duma sociedade Socialista como objectivo final das suas políticas.

Esta clivagem prendeu-se com o modelo pretendido para a inscrição de membros no PSDTR. Um grupo entendia que estes deveriam dar provas da sua militância e participar activamente no Partido de forma concertada a nível nacional, defendendo que a classe dirigente emanaria das bases e como tal dos próprios trabalhadores russos progredindo sucessivamente na estrutura hierárquica do Partido. O outro grupo defendia que os militantes deveriam ter uma participação voluntarista e esporádica e de expressão local, deixando a direcção do Partido a nível nacional entregue a uma elite intelectual. Esta divergência de ideias ganhou maior dimensão já após a Revolução de Outubro (de 1917).

No final do referido congresso os defensores da primeira corrente estavam em maioria e os da segunda corrente em minoria. Ficaram assim, por mera circunstância numérica, uns conhecidos como Bolcheviques e os outros como Mencheviques, denominação que persiste até hoje passando de meramente circunstancial a ideológica. Mais tarde uns seriam os Comunistas e os outros os Socialistas.

E não, caro amigo, não fui eu que classifiquei o seu Partido de Menchevique, foi o seu correligionário, e fundador do mesmo, Mário Soares no famoso debate televisivo que travou com Álvaro Cunhal já no distante no ano de 1975.

Por fim e por mera curiosidade note-se que a palavra “Socialismo” ou a expressão “Sociedade Socialista” não aparecem uma única vez nos Estatutos do Partido Socialista.

 

2.     Lições de Marxismo “Moderno”

Temos nos últimos dias sido surpreendidos com aquilo que ainda há poucas semanas poderíamos considerar como sendo os comentários mais aberrantes por parte de titulares de grandes fortunas mundiais. Começou por um artigo em que Warren Buffet, no New York Times[vii], pedia para que o governo americano deixasse de mimar tanto os ricos e teve o seu mais recente episódio numa tomada de posição colectiva dos detentores das 16 maiores fortunas pessoais francesas, na revista Le Nouvel Observateur[viii], com o auto explanatório título de, em tradução livre, “Cobrem-nos impostos!”.

Já anteriormente o “Dr. Doom”, com o é intitulado o economista Nouriel Roubini depois de ter previsto a explosão da bolha do imobiliário com 3 anos de antecedência, tinha defendido a nacionalização da banca[ix] como solução para o combate à crise do crédito. Numa entrevista para o Wall Street Journal[x] Roubini aponta aquilo que já Marx tinha anunciado, que “o capitalismo chegará ao ponto em que se destrói a si próprio”, e Roubini vai mais longe e sentencia: “não se pode continuar a deslocar receitas do trabalho para o capital”. Acrescenta ainda o economista que “faz sentido individualmente que todas as empresas queiram é sobreviver e prosperar, por isso reduzem ainda mais o custo do trabalho, mas o meu custo do trabalho é o rendimento e consumo de alguém.”

Pergunte-se a um qualquer comerciante da nossa praça e ele dirá o quanto sentiu a redução de cerca de 20% nos salários de alguns funcionários públicos entre 2000 e 2010, acompanhado de reduções semelhantes ou ainda maiores nos vencimentos do sector privado. A ausência de dinheiro no bolso dos consumidores leva à asfixia da economia. A austeridade desejada pelo nosso governo, que afecta muito mais os baixos e médios rendimentos, só levará ao agravar do fosso entre ricos e pobres. De referir que Portugal é, juntamente com a Espanha, o país da Zona Euro em que a diferença de rendimentos entre os que mais e os que menos ganham é maior. Os portugueses que se encontram entre os 20% melhor remunerados receberam no seu total 6 vezes mais que o total dos 20% menos remunerados do país[xi]. Este rácio chegou a ser de 7,4 no final mandato de Durão Barroso enquanto Primeiro-Ministro (2003), tendo desde então descido timidamente.

A jeito de conclusão remata ainda Roubini que o problema da crise do crédito não se pode resolver com liquidez. São apontadas 3 soluções: o crescimento económico (que ele classifica de anémico), a poupança (mas com a poupança reduz o consumo e como tal a receita) ou a inflação (com todos os contras que possa trazer). Esgotadas estas três possibilidades resta renegociar a dívida. O tal renegociar da dívida que todos denunciavam como sendo um apelo ao não pagamento da dívida, mas que a europa nos veio a propor (com a extensão dos prazos de pagamento e o controlo dos juros) e que afinal nós tão lestamente aceitamos.

Afinal Marx, bem como os seus seguidores nacionais, tem razão…



[i]Wikipedia, Bolchevique – http://tinyurl.com/3gn47lp

[ii]Infopedia, Centralismo Democrático – http://tinyurl.com/436gxx6

[iii]Ciências Humanas, Centralismo Democrático – http://tinyurl.com/3mbqfly

[iv]PCP, Estatutos – http://tinyurl.com/4y2dkqy

[v]PS, Estatutos – http://tinyurl.com/3kelyua

[vi]Marxists Internet Archives (Arquivos Marxistas na Internet), II Congresso do Partido Social Democrata dos Trabalhadores Russos – http://tinyurl.com/42o26q3

[vii]New York Times – Stop Coddling the Super Rich (Parem de Mimar os Ricos) – http://tinyurl.com/3vwuttj

[viii]Le Nouvel Observateur – «Taxes-nous!» (“Cobrem-nos Impostos!”) – http://tinyurl.com/3r7p9bb

[ix]Wall Street Jounal – ‘Nationalize’ the Banks (“Nacionalizem” os Bancos) – http://tinyurl.com/blb4b2

[x]Wall Street Journal – Karl Marx was Right (Karl Marx tinha Razão) – http://tinyurl.com/3h3wkyy

[xi]Eurostat – http://tinyurl.com/3o6g5hs


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publicado por Mário Lobo às 00:52
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Segunda-feira, 15 de Agosto de 2011
A Liberdade de Escolher

O texto que se segue é de autoria de João Pedro Fonseca e foi publicado no jornal Frontal a 12 de Agosto de 2011.

Afirma-se como resposta ao meu artigo publicado no mesmo jornal na edição anterior.

Como hábito meu de garantir o direito de resposta fica aqui disponivel.


Há momentos em que quase não acreditamos naquilo que vemos, ou lemos. A lógica da construção mental que fazemos obedece a parâmetros e a valores, pelos quais nos balizamos e orientamos a nossa reacção perante aquilo a que assistimos e daí formulamos mentalmente a nossa análise e opinião.

Mas por vezes, o imprevisto acontece e a reacção pode ser imprevista. No meu caso particular e perante determinado artigo de opinião que pretendia (julgo) ser sério, só consegui rir, após ter lido e relido o texto, no mínimo quatro ou cinco vezes, pois a incredulidade aumentava à medida que avançava no texto.

Mas, opiniões são opiniões, factos são factos, e história é história. Vamos à História.!

Socorrendo-me da Wikipedia, da Infopedia, do ISCTE e dos Estatutos do Partido Comunista Português, constato que

“A Velha Guarda Bolchevique era formada pelos primeiros membros do grupo que fundaram em 1900, ou que ingressaram antes da Revolução de 1917. O termo Velho Bolchevique ficou como designação não oficial de membros do partido pré 1917. Durante o Governo de Stalin, grande parte da velha guarda foi removida do poder, durante os expurgos da década de 1920. Vários foram julgados, condenados, sentenciados à morte e executados por supostos crimes de traição à União Soviética e à revolução proletária… outros foram enviados para prisões onde eram torturados e sujeitos a trabalhos forçados ( Gulags ).”

Ficamos assim contextualizados com o termo Bolchevique…

Entretanto e por “doutrina marxista leninista de organização partidária, que teve grande desenvolvimento a partir da revolução russa, entende-se o centralismo democrático como a centralização da acção resultante da liberdade de opinião e da discussão de ideias. Há grupos de pessoas diferentes com ideias distintas, mas um modo de acção centralizadora numa estrutura única. A espontaneidade como forma de organização não pode existir, tal como a ilusão ideológica e a desorganização. Daí que o centralismo democrático tenha sido uma criação essencialmente leninista, em que o poder do todo fica a cargo da criação de um partido apto para assumir a função de vanguarda e organização de movimento. O poder fica assim centralizado numa parte esclarecida, congregadora de ideais e intelectualmente apta para cumprir o propósito da luta dos trabalhadores.”

Afinal os Bolcheviques não eram o Povo???

“A ideologia marxista leninista não atribui ao sufrágio universal o valor que lhe é dado pelas democracias ocidentais. Para Lenine, o proletariado urbano (pouco numeroso na Rússia de 1917) devia constituir a força motriz da Revolução e da edificação do Socialismo. Convencido de que a grande massa da população rural e iletrada, não votaria nos Bolcheviques (de facto nas eleições de Dezembro de 1917 para a Assembleia Constituinte, estes apenas obtiveram 25% dos votos), Lenine dissolveu a Assembleia e definiu o Partido Comunista como a “vanguarda da classe operária que deve governar em nome do proletariado”-

E para chegar aos nossos dias e à nossa realidade, 2 pequenos extractos dos Estatutos do Partido Comunista Português:

Artigo 16º

2 – são princípios fundamentais:

a), b),… h) – o cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções ou entidades como a formação de grupos ou tendências que desenvolvam actividades em torno de iniciativas, propostas ou plataformas políticas próprias.

Capítulo IV – Os Órgão Superiores do Partido

2 – O Congresso é constituído por Delegados……..

Artigo 28º - A eleição do Comité Central, na base da proposta pelo Comité Central cessante….

A história repete-se, é bom, significa que continuam iguais a si próprios, mas convém não esquecer que o toucinho quando fica tempo demais guardado, acaba por ficar rançoso…

Mas há quem seja diferente e acima de tudo Livre. Livre para escolher, livre para formar grupos de opinião, livre para formar facções e tendências, livre para deixar que os outros possam ter opinião e a possam publicar livremente. E ter a liberdade de escolher e não ser expulso por ter escolhido é hoje em dia um direito obviamente consagrado, mas infelizmente não é assimilado por todos.



publicado por Mário Lobo às 17:17
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Sexta-feira, 29 de Julho de 2011
Dos Partidos e a sua Democracia Interna, ou a Pleonástica Arte da Bajulação

Nos passados dias 22 e 23 de Julho tiveram lugar, num acto alvitrado como da maior democracia possível, as eleições para Secretário-Geral (SG) do Partido Socialista (PS). Coerentes com a posição defendida pelo seu fundador Mário Soares no famoso debate com Álvaro Cunhal, em que o primeiro afirmou a diferença basilar entre o Partido Comunista Português e o seu: o primeiro Bolchevique e o segundo Menchevique – em alusão à divisão entre as visões do futuro da maioria e da minoria saídas do acto revolucionário que deu origem à União Soviética.

Para os menos dados à História relembrar que a grande diferença entre as duas correntes emergentes da Revolução de Outubro tinham a ver com a origem da classe dirigente. Enquanto os Bolcheviques defendiam que esta deveria emanar directamente da classe operária, os Mencheviques acreditavam numa elite “iluminada” e formada/treinada para o efeito de conduzir os nossos desígnios.

A escolha de eleição do seu SG por escrutínio directo, leia-se universal e secreto, é uma opção que o PS é livre de tomar. Usam-se dos meios de comunicação social para transmitir a sua ideia aos Militantes. Claro que esta comunicação pode ser enviesada pela maior influência que um ou outro candidato possa ter nos meandros da comunicação social. Mas, creiamos nesse dogma da equidistância e isenção dos órgãos de comunicação social. O que os candidatos a SG do PS vieram apresentar foram visões pessoais (?) e individuais (?) de como o seu Partido se deve reger no futuro próximo, remetendo os demais Militantes do seu Partido a meros avalistas dum ou de outro projecto.

Eleito que está o SG, bem como os delegados ao Congresso (nesta situação específica), resta ao recém-eleito ir de “terra-em-terra” apregoar a sua visão do futuro, preparando assim as bases para o Congresso.

Em qualquer organização política e/ou social, o Congresso é o ponto máximo de debate de ideias. Neste órgão máximo estão reunidos todos os Militantes, representados pelos seus Delegados. Delegados estes que, a meu ver, iriam representar a opinião daqueles que os escolheram como representantes. Isto pelo menos na minha visão Bolchevique das coisas. Mas com delegados eleitos em listas afectas às moções apresentadas (neste caso) pelos candidatos a SG, será caso para nos perguntarmos sobre quem é que estes delegados representam. À boa forma Menchevique estes Delegados são uma forma de dar mais poder à elite que representam e retirar a palavra às bases. A menos que as listas de Delegados ao Congresso sejam feitas por sorteio a aprovação da moção cujas listas mais Delegados elegeram estará virtualmente garantida.

Eleito que está o Líder e virtualmente aprovada a orientação política do Partido resta pois apregoar a boa nova. No Congresso teremos ovações e encorajamentos, tecer-se-ão louvores ao novo Líder e à sua visão. Todos, ou quase, em uníssono. Aos que não se reviram em nenhuma das moções previamente apresentadas e que consigam, miraculosamente, ser eleitos Delegados resta-lhes estoicamente fazer a defesa da sua ideia com plena consciência de que de nada servirão as suas palavras, pois a elite não bebe das bases, mas sim o contrário.

Mais tarde, quando o líder cair em desgraça, e abandonar o palco principal poucos serão os que o apoiam. Menos ainda serão os que afirmarão ter por ele votado, pois essa é a vantagem do voto secreto – poder virar a casaca sem que ninguém por isso dê conta. Discretamente todos irão apoiar o novo líder, pois é do lado dos que ganham que se quer estar. E como quem ganha é sempre um predestinado Menchevique, então é do lado dos “grandes” que se quer estar.

Ao Militante de base, resta-lhe esperar pelo restolho da divisão do espólio. Sem nada a dizer na condução dos desígnios do seu Partido enquanto se encontrar nessa condição de base terá que subir “a pulso” cedendo e cobrando favores às elites. Juntar-se o mais possível a eles e, quiçá um dia, ser um deles. Temos então os boys e seus jobs, tal qual os aios dos grandes cavaleiros que se sentavam a um canto da sala do banquete à espera que o seu senhor lhes atirasse um naco de algo comestível.

Mas pronto, em casa de cada um faça-se como cada qual.

E gostaria de apresentar as minhas saudações ao novo Secretário-geral do Partido Socialista. Saudá-lo especialmente pela eficácia da máquina que vai conduzir, e isto sobretudo no que toca à capacidade administrativa do seu Partido, e pela consciência de participação eleitoral dos seus Militantes.

No dia 21 de Julho titulava o Jornal de Notícias que “Cerca de 20 mil Militantes do PS podem votar”. Esta notícia apresentava como fonte o secretário nacional do PS para a Organização, André Figueiredo. Era dito que só 20 mil Militantes teriam a quotas em dia, portanto só esses teriam a capacidade de votar.

No dia 24 de Julho Diário de Notícias trazia os resultados do processo eleitoral interno: António José Seguro com 23.903 votos; Francisco Assis 11.257; Brancos 216; nulos 151. Tudo isto somado dá 35.527 votos, ou seja 15 mil a mais que os possíveis anunciados 3 dias antes. Um aumento de mais de 75%.

Partindo do princípio que todos os 20 mil anunciados no dia 21 de Julho votaram, o PS cobrou quotas a 15 mil Militantes em apenas 2 dias, ou seja 7.500 por dia, demonstrando assim uma grande apetência administrava financeira.

Isto, pontuado das acusações de Francisco Assis de que algumas urnas de voto já continham à hora de abertura das mesas votos no seu opositor, vem talvez esclarecer-nos quanto à Menchevique forma de fazer política «democrática».

Se dentro de casa se portam assim, como serão eles capazes de se portar no exterior.


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publicado por Mário Lobo às 10:00
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Segunda-feira, 28 de Junho de 2010
Até Amanhã, Camarada!

Fomos recentemente privados da presença desse génio maior da Literatura Portuguesa e Mundial que é o José Saramago.

Muito se disse, se diz e se dirá sobre o homem e o seu génio, sobre a sua obra, sobre o seu legado. Mas não é isso que me leva a escrever estas palavras. Sou, no entanto, certo que a sua obra é duma dimensão e conteúdos fabulosos.

Mas este escritor português, oriundo do Alentejo era e foi até ao fim um Comunista. Sobre isso alguns dos que tecem laudas às suas obras pouco ou nada versarão. Tentando dividir o indivisível. Pois se era o homem que escrevia era também o mesmo homem que era Comunista. Querer falar da obra de José Saramago sem querer admitir a sua visão duma sociedade diferente é a mesma coisa que dizer que se gosta de ovos e só lhe comer a clara. O núcleo, o coração, é que dá forma e sustento à "embalagem", da mesma forma que é a gema que suporta em seu torno a clara.

Não escrevia porque era Comunista, porque nem todos os Comunistas escrevem. Não ganhou o Nobel por ser Comunista, porque nem todos os Comunistas ganham. Mas se escrevia o escrevia e da forma que o escrevia isso sim era por ser Comunista. Tanto colocava a sua condição de Comunista à frente da de escritor que o disse, aquando da homenagem do Partido Comunista Português no Centro de Trabalho do Edifício Vitória após a atribuição do Prémio Nobel: «Há alguns anos atrás, quando o meu nome começou a aparecer, achei por bem deixar claro uma questão, escrita para não haver dúvidas: se a condição para ganhar o Prémio Nobel for renunciar às minhas condições políticas, eu renunciarei ao Prémio. Hoje posso dizer que para ganhar o Prémio não precisei de deixar de ser comunista.»

Mas não só ele se considerava Comunista, outros também assim o intitulavam, ainda que por escárnio, como podemos ver na opinião do L'Osservatore Romano (órgão central do Vaticano) após a atribuição do Nobel, justificando essa escolha como sendo política: «continua a ser um comunista inveterado». Esta atitude era substanciada pela forma acutilante como Saramago criticava alguns dos "valores" da Igreja. O Envagelho Segundo Jesus Cristo, O Memorial do Convento e por fim Caim são precisamente objectos dessa acutilância.

Mas não era contra a Fé dos Homens que escrevia Saramago, antes contra o preconceito e as injustiças da sociedade. Contra os oportunismos, que ataca e põe a nu quando, no Ensaio Sobre a Cegueira, reduz todo a população à igualdade da cegueira. Sendo todos cegos, todos iguais portanto, haverá os que se tentarão sempre aproveitar dos demais. Que se organizarão para tornar seu o que os outros trabalharam para ganhar.

Aos que julgam, e aos que dirão, que para o fim se vinha afastando já da ideologia Comunista mantendo-se militante do que era também o seu Partido só por uma questão de cortesia deixo uma passagem de Caim onde é criticada a estratificação da nossa sociedade: «Discreto, como a foragido convém, caim não se aproximou para lhe desejar as melhoras da sua saúde, afinal, este patrão e este empregado nem tinham chegado a conhecer-se, é o mau que tem a divisão em classes, cada um no seu lugar, se possível onde nasceu, assim não haverá nenhuma maneira de fazer amizades entre oriundos dos diversos mundos.». Ou ainda no mesmo livro, sobre a imagem duma sociedade patriarcal tão querida ao regime que ele ajudou a derrubar: «Estava surpreendida consigo mesma, com a liberdade com que tinha respondido ao marido, sem temor, sem ter de escolher as palavras, dizendo simplesmente o que, na sua opinião, o caso justificava. Era como se dentro de si habitasse uma outra mulher, com nula dependência do senhor ou de um esposo por ele designado (...)».

Mas esta condição de Comunista desagrada a muitos que não conseguem ver para além dos rótulos que colocaram nos outros. Desagrada ao Presidente da República, diria ao nosso Presidente, ao Presidente dos Portugueses, de Todos os Portugueses, mas parece que não é Presidente dos Portugueses Comunistas.

Preferiam que fosse só escritor, sem essa alma vermelha que o tinge: é bom, mas é Comunista.

Era Comunista, e era bom!

Até Amanhã, Camarada!


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Sexta-feira, 7 de Maio de 2010
Estórias do Maio

Havia um carpinteiro que trabalhava na sua pequena carpintaria. Fazia mesas, cadeira, bancos, armários, portas... enfim, de tudo um pouco.

Certo dia um sujeito bem apresentado, acabadinho de sair duma qualquer universidade, entra pela sua modesta carpintaria dentro:

"Corre bem o negócio?" – perguntou ao carpinteiro.

"Não me posso queixar. Muito trabalho, a coisa vai andando."

"E quem lhe trata dos papeis? Contas, encomendas, fornecedores e isso tudo." – torna a perguntar o estranho.

"Sou eu, pois então! Ao fim do dia"

O estudado universitário elucidou o carpinteiro sobre as vantagens de ter alguém que se preocupasse com a gestão do seu negócio, dando-lhe assim mais tempo para se dedicar à sua arte. Que estava precisamente à procura de emprego na área de gestão. Após uma conversa o carpinteiro acede a contratar o gestor.

Algum tempo passado o gestor da modesta carpintaria conclui que talvez contratar um vendedor não seria pior. Pois assim o carpinteiro trataria da produção, o gestor da gestão e um vendador garantiria a existência de encomendas.

Visto todos eles estarem ocupados nas suas funções, a contratação dum funcionário administrativo que tratasse do expediente diário revelou-se uma necessidade.

Com uma empresa em fraca expansão e com o aumento da complexidade do processo contabilístico a prossegui-se para contratação dum guarda-livros.

Seguiram-se administrativos e gestores a um ritmo acelerado pois a empresa ia em franca expansão.

E o carpinteiro cada vez mais livre para se dedicar às suas cadeiras, portas e armários.

Como não há fartura que não dê em miséria os tempos começaram a apertar, e os lucros a descer.

Havia que fazer economias.

Uma consultoria externa, daquelas efectuadas por especialistas bem pagos, concluiu que a carpintaria devia reestruturar-se. E assim foi.

Após analisada a estrutura desta empresa conclui-se que era o carpinteiro o empregado menos qualificado, como tal o mais natural de ser substituído. E assim fizeram.

Toca de despedir o carpinteiro.

Sem carpinteiro a empresa ficou sem produção e, claro, fechou.

 

Esta estorieta demonstra bem o funcionamento da "economia moderna".

O carpinteiro continuou a produzir objectos da sua arte, tal como fazia antes. Mas todo a máquina artifical que lhe montaram em volta, e que mais não fazia que sustentar-se do seu trabalho, acabou por ser tão grande que acabou com todo o negócio.

No "mundo real" as empresas vêem o seu valor na Bolsa subir e descer sem que o seu ritmo de trabalho se altere. Porque deve uma fábrica ver o seu valor descer ou subir na Bolsa de Valores se os seus empregados continua a trabalhar de manhã à noite e a produzir a mesma quantidade de carros, ou rolhas, ou pares de calças, ou seja lá o que for?

Só há uma razão para isso acontecer. É alguém estar a brincar com o dinheiro gerado pelos trabalhadores quando desempenham o seu ofício. Porque é o trabalhador que gera riqueza.

São os trabalhadores da construção civil que constroem as fábricas.

São os trabalhadores da área da mecânica que montam as máquinas que esta precisa.

São os trabalhadores fabris que operam as máquinas desta fábrica.

São os trabalhadores da expedição que empacotam e remetem ao cliente as mercadorias produzidas.

São os trabalhadores dos transportes que levam as mercadorias ao seu destino.

São os trabalhadores dos comércios que vendes estes produtos fabris.

E por fim, são todos estes trabalhadores que, com os salários conseguidos do seu trabalho, vão às lojas e compram estes produtos.

O elo comum a toda a cadeia é o trabalhador. O elo final de toda a cadeia é o trabalhador. É ele na sua situação de consumidor final que paga por todo o processo.

Se retirarmos poder de compra aos trabalhadores, através da não valorização dos seus salários, estes enquanto consumidores deixam de poder comprar. Os comércios deixam de vender, por isso deixem de encomendas, por isso não há necessidade para transportar mercadorias. Se não há encomendas não há trabalho na expedição de encomendas da fábrica nem trabalho para os operários fabris. Se não há trabalho para estes não há necessidade de construir novas máquinas nem novas fábricas.

Por fim só quero deixar uma questão: quando deixarmos de ter dinheiro para comprar os produtos produzidos nas nossas fábricas, para quem produzem elas esses produtos?


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Sexta-feira, 23 de Abril de 2010
"Os Animais são Todos Iguais"

Passam 36 anos sobre o 25 de Abril de 1974. Esse momento libertador para o Povo Português veio acabar com a Censura, com a Guerra Colonial, com a Polícia Política e com muitas outras ferramentas opressoras do Regime.

Mas trouxe também grandes mudanças no método de Governação e no processo de selecção dos nossos Governantes. Passámos a poder votar em liberdade, a ser representados por aqueles que realmente queremos: o Povo passou a ser Soberano.

Esta mudança sentiu-se de forma mais acentuada no Poder Local, pois é esta a forma de poder mais próxima da população. Assembleias de Freguesia e Municiapis às quais o Povo pode  participar e intervir. 

Câmaras Municipais com reuniões públicas todos os meses e de gestão aberta e transparente, permitindo a toda a gente inteirar-se de todo e qualquer assunto que estas tenham "entre mãos". Neste âmbito o anterior Governo (também chefiado pelo actual Primeiro-Ministro) avançou com o Choque Tecnológico e o Simplex: ele é sítios internet e email com fartura...

Tudo isto ferramentas para que o Povo possa informar-se, discutir e influênciar na decisão dos seus destinos. Uma Democracia Aberta, de todos e para todos. Sem que uns sejam filhos da mãe e outros filhos da outra. Não senhor... agora somos todos iguais.

Mas como escrevia George Orwell no seu romance "1984", um livro que conta uma "fábula" de uma quinta que é tomada de assalto e depois gerida pelos animais trabalhadores quando este se fartaram da gestão do "Fazendeiro" explorador, no qual alerta para os perigos duma certa esquerda Menchevique: "Os animais são todos iguais. Mas uns são mais iguais que outros!"

Ora toda essa informação referente à gestão e projectos autárquicos existe e está disponível. Tomemos por exemplo a Carta Educativa, documento fundamental na política de educação da autarquia. Deveria este documento ser do conhecimento, ou pelo menos acessível a todos, pois a Câmara é um organismo público que a todos diz respeito e não uma organização privada de interesse exclusivo dos seus membros.

Desta Carta Educativa foi a dada altura publicitado no sítio internet da autarquia um excerto de cerca de 30 páginas, quando a totalidade do documento tem à volta das 200. Não só essencial à condução da política da educação da autarquia esta é também uma ferramenta essencial para alguém que se informar, e posteriormente participar de forma activa, sobre esta mesma política. Assim, quem quiser ter acesso a este documento terá que requisitá-lo, identificando-se (o que relembra algumas práticas duma já ida Direcção Geral de Segurança) junto dos serviços municipais. Poderá assim consultar essa informação no local, ou então requisitar que esta seja fotocopiada, o que lhe custará cerca de 70 cêntimos por página (é fazer as contas e verificar quanto custa a "liberdade" de sermos informados).

No entanto toda esta informação administrativa e financeira municipal é de publicação obrigatória (por lei)  no sítio internet da autarquia. 

E, como nem todos somos  dextros no que toca ao uso da internet, deveria também estar disponível para consulta livre na Biblioteca Municipal. Ainda assim, apesar de obrigatório, a Câmara Municipal de Mortágua restringe ao máximo a publicação seja do que for no seu sítio internet. Impossibilita assim a qualquer Mortaguense  a possibilidade de ter uma participação informada, e como tal válida, nos assuntos do seu Concelho.

Mas não o impossibilita a todos. Numa conversa, de âmbito pessoal, que tive há pouco tempo queixava-me precisamente de que este documento, entre muitos outros, não estava disponível na internet e como tal inacessível de forma simples e directa. Foi ao que o meu interlocutor me respondeu ter em sua posse a Carta Educativa de Mortágua, sugerindo que o facto de eu não a ter estivesse talvez relacionado com a minha postura. Ora, a minha postura é a de quem gostaria de saber e estar informado e vê fecharem-se todas as portas viáveis para esse propósito. Talvez porque não "(...) tenho medo do lobo, nem paciência para o teu pastor (...)" - como tão sabiamente dizem os Xutos e Pontapés - não faço parte de rebanhos nem me dou a carneirices. 

Vassalagem e Subserviência são termos que eu julgava estarem, há já 36 anos, remetidos ao diccionários históricos deste país. Mas ao que parece temos ainda que ser "mais iguais" que os outros para podermos ter tratamento "igual".

Por um Poder Local Democrático de Todos e para Todos,

25 de Abril, Sempre!


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Quinta-feira, 22 de Abril de 2010
25 de Abril Sempre!.. Sempre!?

A 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas (MFA)  iniciava, a partir da Escola Prática de Cavalaria em Santarém, um golpe militar que levaria ao derrubar da Ditadura Fascista que oprimiu Portugal durante 48 longos anos. Com o fim da Ditadura Salazarista via também fim um sem número de atrocidades levadas a cabo por um regime tirânico e opressor.

Durante este quase meio século muitos foram os que lutaram contra a Ditadura e pagaram por isso com a sua própria vida. Muitos foram os que ficaram privados de uma vida “normal” por escolherem dedicar-se de corpo e alma a esta causa. Tão longa e tão dura foi a Resistência Anti-Fascista que deu aso a que seja Português o jornal clandestino mais tempo publicado  de forma regular na mais completa clandestinidade, em qualquer país do mundo: O Jornal Avante! Perseguidos pela Polícia Internacional de Defesa do Estado/Direcção Geral de Segurança nunca estes Homens e Mulheres recusaram à tarefa que abraçaram com tanta dedicação: combater a Ditadura Fascista de António Oliveira Salazar. Da vida destes Homens e Mulheres, dos sacrifícios e das provações que sofreram podemos ler no livro “Até Amanhã Camaradas!” de Manuel Tiago, recentemente adaptado a mini-série televisiva.

Se foi o Movimento das Forças Armadas que derrubou na prática o regime, foi a longa resistência destes ser humanos excepcionais durante a longa noite fascista que permitiu criar condições e força de revolta suficiente para o fim da tão amenamente chamado Estado Novo.

Mas a Revolução fez-se. E, como diz o poeta: “Valeu a pena? Valeu pois!”.

Valeu a pena porque se mostrou que se podia viver numa sociedade melhor sem opressores nem oprimidos. Valeu a pena porque se acabou com uma inconsequente “Guerra Colonial” por onde passaram centenas de milhares de jovens portugueses. Valeu a pena porque deu ao Povo a possibilidade de escolher livremente o seu destino. Valeu a pena porque se mostrou que não interessa o quão fundo seja o buraco em que nos querem meter, nós saberemos sempre sair de lá vitoriosos.

Todos esses Homens que lutaram tão arduamente contra a tirania Fascista devem ser lembrados e homenageados. O dia dessa homenagem é o dia 25 de Abril. O dia, que sem saber quando, sempre acreditaram que chegaria. E que chegou.

Foi Abril que abriu as portas a um Poder Local eleito, representativo das aspirações populares. E é esse Poder Local que, em Mortágua, nega aos Heróis de Abril a homenagem que eles merecem.

Em Mortágua, uma vez mais este ano, já não se celebra Abril. Talvez porque em Mortágua já não se pratique Abril.

Esses valores fundamentais duma sociedade de todos e para todos, de “abrir o caminho para uma sociedade socialista” como diz a Constituição de Abril, são de mais em mais esquecidos.

Fala-se na “possibilidade de participar e intervir” mas esquecem-se que essa participação e intervenção só é possível se por parte do Poder Local houver abertura para isso. Se aceitarem de todos, e não só dos que lhes interessam, as opiniões e críticas que venham a ser emitidas.

O Concelho, tal como Abril, é de todos. E, mais importante ainda, para todos. A consolidação duma coqueluche oligárquica em nada é concordante com Abril. Talvez por isso, por Mortágua, não se comemore esse dia maior para a nossa Democracia. Para que outros, ao acordar da dormência a que foram vetados, se lembrem que não foi para isto que naquela madrugada de 1974 fizemos Abril.

25 de Abril Sempre? SEMPRE!!!


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As Portas que Abril Abriu

Era uma vez um país

onde entre o mar e a guerra

vivia o mais infeliz

dos povos à beira-terra.

 

Onde entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo se debruçava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza.

 

Era uma vez um país

onde o pão era contado

onde quem tinha a raiz

tinha o fruto arrecadado

onde quem tinha o dinheiro

tinha o operário algemado

onde suava o ceifeiro

que dormia com o gado

onde tossia o mineiro

em Aljustrel ajustado

onde morria primeiro

quem nascia desgraçado.

 

 

Era uma vez um país

de tal maneira explorado

pelos consórcios fabris

pelo mando acumulado

pelas ideias nazis

pelo dinheiro estragado

pelo dobrar da cerviz

pelo trabalho amarrado

que até hoje já se diz

que nos tempos do passado

se chamava esse país

Portugal suicidado.

 

Ali nas vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

vivia um povo tão pobre

que partia para a guerra

para encher quem estava podre

de comer a sua terra.

 

Um povo que era levado

para Angola nos porões

um povo que era tratado

como a arma dos patrões

um povo que era obrigado

a matar por suas mãos

sem saber que um bom soldado

nunca fere os seus irmãos.

 

Ora passou-se porém

que dentro de um povo escravo

alguém que lhe queria bem

um dia plantou um cravo.

 

Era a semente da esperança

feita de força e vontade

era ainda uma criança

mas já era a liberdade.

 

Era já uma promessa

era a força da razão

do coração à cabeça

da cabeça ao coração.

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado

o horror da solidão

esses que tinham jurado

sobre uma côdea de pão

ver o povo libertado

do terror da opressão.

 

Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

quando um homem morre perto

tem de haver distanciação

uma pistola guardada

nas dobras da sua opção

uma bala disparada

contra a sua própria mão

e uma força perseguida

que na escolha do mais forte

faz com que a força da vida

seja maior do que a morte.

 

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

Posta a semente do cravo

começou a floração

do capitão ao soldado

do soldado ao capitão.

 

Foi então que o povo armado

percebeu qual a razão

porque o povo despojado

lhe punha as armas na mão.

 

Pois também ele humilhado

em sua própria grandeza

era soldado forçado

contra a pátria portuguesa.

 

Era preso e exilado

e no seu próprio país

muitas vezes estrangulado

pelos generais senis.

 

Capitão que não comanda

não pode ficar calado

é o povo que lhe manda

ser capitão revoltado

é o povo que lhe diz

que não ceda e não hesite

– pode nascer um país

do ventre duma chaimite.

 

Porque a força bem empregue

contra a posição contrária

nunca oprime nem persegue

– é força revolucionária!

 

Foi então que Abril abriu

as portas da claridade

e a nossa gente invadiu

a sua própria cidade.

 

Disse a primeira palavra

na madrugada serena

um poeta que cantava

o povo é quem mais ordena.

 

E então por vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

desceram homens sem medo

marujos soldados «páras»

que não queriam o degredo

dum povo que se separa.

E chegaram à cidade

onde os monstros se acoitavam

era a hora da verdade

para as hienas que mandavam

a hora da claridade

para os sóis que despontavam

e a hora da vontade

para os homens que lutavam.

 

Em idas vindas esperas

encontros esquinas e praças

não se pouparam as feras

arrancaram-se as mordaças

e o povo saiu à rua

com sete pedras na mão

e uma pedra de lua

no lugar do coração.

 

Dizia soldado amigo

meu camarada e irmão

este povo está contigo

nascemos do mesmo chão

trazemos a mesma chama

temos a mesma ração

dormimos na mesma cama

comendo do mesmo pão.

Camarada e meu amigo

soldadinho ou capitão

este povo está contigo

a malta dá-te razão.

 

Foi esta força sem tiros

de antes quebrar que torcer

esta ausência de suspiros

esta fúria de viver

este mar de vozes livres

sempre a crescer a crescer

que das espingardas fez livros

para aprendermos a ler

que dos canhões fez enxadas

para lavrarmos a terra

e das balas disparadas

apenas o fim da guerra.

 

Foi esta força viril

de antes quebrar que torcer

que em vinte e cinco de Abril f

ez Portugal renascer.

 

E em Lisboa capital

dos novos mestres de Aviz

o povo de Portugal

deu o poder a quem quis.

 

Mesmo que tenha passado

às vezes por mãos estranhas

o poder que ali foi dado

saiu das nossas entranhas.

Saiu das vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

onde um povo se curvava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza.

 

E se esse poder um dia

o quiser roubar alguém

não fica na burguesia

volta à barriga da mãe.

Volta à barriga da terra

que em boa hora o pariu

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu.

 

Essas portas que em Caxias

se escancararam de vez

essas janelas vazias

que se encheram outra vez

e essas celas tão frias

tão cheias de sordidez

que espreitavam como espias

todo o povo português.

 

Agora que já floriu

a esperança na nossa terra

as portas que Abril abriu

nunca mais ninguém as cerra.

 

Contra tudo o que era velho

levantado como um punho

em Maio surgiu vermelho

o cravo do mês de Junho.

 

Quando o povo desfilou

nas ruas em procissão

de novo se processou

a própria revolução.

 

Mas eram olhos as balas

abraços punhais e lanças

enamoradas as alas

dos soldados e crianças.

 

E o grito que foi ouvido

tantas vezes repetido

dizia que o povo unido

jamais seria vencido.

 

Contra tudo o que era velho

levantado como um punho

em Maio surgiu vermelho

o cravo do mês de Junho.

 

E então operários mineiros

pescadores e ganhões

marçanos e carpinteiros

empregados dos balcões

mulheres a dias pedreiros

reformados sem pensões

dactilógrafos carteiros

e outras muitas profissões

souberam que o seu dinheiro

era presa dos patrões.

 

A seu lado também estavam

jornalistas que escreviam

actores que se desdobravam

cientistas que aprendiam

poetas que estrebuchavam

cantores que não se vendiam

mas enquanto estes lutavam

é certo que não sentiam

a fome com que apertavam

os cintos dos que os ouviam.

 

Porém cantar é ternura

escrever constrói liberdade

e não há coisa mais pura

do que dizer a verdade.

 

E uns e outros irmanados

na mesma luta de ideais

ambos sectores explorados

ficaram partes iguais.

 

Entanto não descansavam

entre pragas e perjúrios

agulhas que se espetavam

silêncios boatos murmúrios

risinhos que se calavam

palácios contra tugúrios

fortunas que levantavam

promessas de maus augúrios

os que em vida se enterravam

por serem falsos e espúrios

maiorais da minoria

que diziam silenciosa

e que em silêncio fazia

a coisa mais horrorosa:

minar como um sinapismo

e com ordenados régios

o alvor do socialismo

e o fim dos privilégios.

 

Foi então se bem vos lembro

que sucedeu a vindima

quando pisámos Setembro

a verdade veio acima.

 

E foi um mosto tão forte

que sabia tanto a Abril

que nem o medo da morte

nos fez voltar ao redil.

 

Ali ficámos de pé

juntos soldados e povo

para mostrarmos como é

que se faz um país novo.

 

Ali dissemos não passa!

E a reacção não passou.

Quem já viveu a desgraça

odeia a quem desgraçou.

 

Foi a força do Outono

mais forte que a Primavera

que trouxe os homens sem dono

de que o povo estava à espera.

 

Foi a força dos mineiros

pescadores e ganhões

operários e carpinteiros

empregados dos balcões

mulheres a dias pedreiros

reformados sem pensões

dactilógrafos carteiros

e outras muitas profissões

que deu o poder cimeiro

a quem não queria patrões.

 

Desde esse dia em que todos

nós repartimos o pão

é que acabaram os bodos

— cumpriu-se a revolução.

 

Porém em quintas vivendas

palácios e palacetes

os generais com prebendas

caciques e cacetetes

os que montavam cavalos

para caçarem veados

os que davam dois estalos

na cara dos empregados

os que tinham bons amigos

no consórcio dos sabões

e coçavam os umbigos

como quem coça os galões

os generais subalternos

que aceitavam os patrões

os generais inimigos

os generais garanhões

teciam teias de aranha

e eram mais camaleões

que a lombriga que se amanha

com os próprios cagalhões.

Com generais desta apanha

já não há revoluções.

 

Por isso o onze de Março

foi um baile de Tartufos

uma alternância de terços

entre ricaços e bufos.

 

E tivemos de pagar

com o sangue de um soldado

o preço de já não estar

Portugal suicidado.

 

Fugiram como cobardes

e para terras de Espanha

os que faziam alardes

dos combates em campanha.

 

E aqui ficaram de pé

capitães de pedra e cal

os homens que na Guiné

aprenderam Portugal.

 

Os tais homens que sentiram

que um animal racional

opõe àqueles que o firam

consciência nacional.

 

Os tais homens que souberam

fazer a revolução

porque na guerra entenderam

o que era a libertação.

 

Os que viram claramente

e com os cinco sentidos

morrer tanta tanta gente

que todos ficaram vivos.

 

Os tais homens feitos de aço

temperado com a tristeza

que envolveram num abraço

toda a história portuguesa.

 

Essa história tão bonita

e depois tão maltratada

por quem herdou a desdita

da história colonizada.

 

Dai ao povo o que é do povo

pois o mar não tem patrões.

– Não havia estado novo

nos poemas de Camões!

 

Havia sim a lonjura

e uma vela desfraldada

para levar a ternura

à distância imaginada.

 

Foi este lado da história

que os capitães descobriram

que ficará na memória

das naus que de Abril partiram

 

das naves que transportaram

o nosso abraço profundo

aos povos que agora deram

novos países ao mundo.

 

Por saberem como é

ficaram de pedra e cal

capitães que na Guiné

descobriram Portugal.

 

E em sua pátria fizeram

o que deviam fazer:

ao seu povo devolveram

o que o povo tinha a haver:

Bancos seguros petróleos

que ficarão a render

ao invés dos monopólios

para o trabalho crescer.

Guindastes portos navios

e outras coisas para erguer

antenas centrais e fios

dum país que vai nascer.

 

Mesmo que seja com frio

é preciso é aquecer

pensar que somos um rio

que vai dar onde quiser

 

pensar que somos um mar

que nunca mais tem fronteiras

e havemos de navegar

de muitíssimas maneiras.

 

No Minho com pés de linho

no Alentejo com pão

no Ribatejo com vinho

na Beira com requeijão

e trocando agora as voltas

ao vira da produção

no Alentejo bolotas

no Algarve maçapão

vindimas no Alto Douro

tomates em Azeitão

azeite da cor do ouro

que é verde ao pé do Fundão

e fica amarelo puro

nos campos do Baleizão.

Quando a terra for do povo

o povo deita-lhe a mão!

 

É isto a reforma agrária

em sua própria expressão:

a maneira mais primária

de que nós temos um quinhão

da semente proletária

da nossa revolução.

 

Quem a fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

um menino que sorriu

uma porta que se abrisse

um fruto que se expandiu

um pão que se repartisse

um capitão que seguiu

o que a história lhe predisse

e entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo que levantava

sobre um rio de pobreza

a bandeira em que ondulava

a sua própria grandeza!

De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

e só nos faltava agora

que este Abril não se cumprisse.

 

Só nos faltava que os cães

viessem ferrar o dente

na carne dos capitães

que se arriscaram na frente.

 

Na frente de todos nós

povo soberano e total

que ao mesmo tempo é a voz

e o braço de Portugal.

 

Ouvi banqueiros fascistas

agiotas do lazer

latifundiários machistas

balofos verbos de encher

e outras coisas em istas

que não cabe dizer aqui

que aos capitães progressistas

o povo deu o poder!

E se esse poder um dia

o quiser roubar alguém

não fica na burguesia

volta à barriga da mãe!

 

Volta à barriga da terra

que em boa hora o pariu

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu!

 

Ary dos Santos


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