A Palavra Livre de Mortágua

Sexta-feira, 26 de Março de 2010
Os Velhos

Les vieux ne parlent plus ou alors seulement parfois du bout des yeux

(Os velhos não falam mais ou então somente por vezes do fundo dos olhos)

Même riches ils sont pauvres, ils n'ont plus d'illusions et n'ont qu'un cœur pour deux

(Mesmo ricos são pobres, não têm mais ilusões e não têm mais que um coração para dois)

Chez eux ça sent le thym, le propre, la lavande et le verbe d'antan

(Em sua casa cheira a tomilho, a limpo, a lavanda e ao pretérito perfeito)

Que l'on vive à Paris on vit tous en province quand on vit trop long temps

(Ainda que vivamos em Paris vivemos todos na provincia quando vivemos muito tempo)

Est-ce d'avoir trop ri que leur voix se lézarde quand ils parlent d'hier

(E é de terem rido muito que as suas vozes se amargam quando falam d’ontem)

Et d'avoir trop pleuré que des larmes encore leur perlent aux paupières

(E de ter chorado muito que as lágrimas ainda brilham como perolas nas suas palpebras)

Et s'ils tremblent un peu est-ce de voir vieillir la pendule d'argent

(E se treme um pouco é por ver envelhecer o pendulo do relógio de prata)

Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui dit: je vous attends

(Que ronrona na sala, que diz sim que diz não, que diz: espero-vos)

Les vieux ne rêvent plus, leurs livres s'ensommeillent, leurs pianos sont fermés

(Os velhos não sonham mais, os seus livros estão ensonados, os seus pianos fechados)

Le petit chat est mort, le muscat du dimanche ne les fait plus chanter

(O pequeno gato está morto, o mascate de domingo já não os faz cantar)

Les vieux ne bougent plus leurs gestes ont trop de rides leur monde est trop petit

(Os velhos não se mexem mais os seus gestos têm muitas rugas e o seu mundo é muito pequeno)

Du lit à la fenêtre, puis du lit au fauteuil et puis du lit au lit

(Da cama à janela, depois da cama à poltrona e depois da cama à cama)

Et s'ils sortent encore bras dessus bras dessous tout habillés de raide

(E se saiem ainda de braço no braço todos engomados)

C'est pour suivre au soleil l'enterrement d'un plus vieux, l'enterrement d'une plus laide

(É para acompanhar ao sol o funeral d’um ainda mais velho, o enterro duma mais feia)

Et le temps d'un sanglot, oublier toute une heure la pendule d'argent

(E o tempo d’um soluço, esquecer a toda a hora o pendulo de prata)

Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, et puis qui les attend

(Que ronrona na sala, que diz sim que diz não, e depois que os espera)

Les vieux ne meurent pas, ils s'endorment un jour et dorment trop long temps

(Os velhos não morrem, deixam-se dormir um dia e dormem por muito tempo)

Ils se tiennent par la main, ils ont peur de se perdre et se perdent pourtant

(Têm-se pela mão, têm medo de se perder e perdem-se na mesma)

Et l'autre reste là, le meilleur ou le pire, le doux ou le sévère

(E o outro fica lá, o melhor ou o pior, o doce ou o severo)

Cela n'importe pas, celui des deux qui reste se retrouve en enfer

(Isso não importa, aquele que resta fica num inferno)

Vous le verrez peut-être, vous la verrez parfois en pluie et en chagrin

(Talvez o venham a ver, irão vê-lo algumas vezes na chuva e na tristeza)

Traverser le présent en s'excusant déjà de n'être pas plus loin

(A atravessar o presente já a desculparem-se de não estarem já mais longe)

Et fuir devant vous une dernière fois la pendule d'argent

(E fugir diante de vós uma última vez o pendula de prata)

Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui leur dit : je t'attends

(Que ronrona na sala, que diz sim que diz não, que lhes diz: espero-te)

Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non et puis qui nous attend.

(Que ronrona na sala, que diz sim que diz não e depois que nos espera)

 

O texto acima, em tradução livre do francês, é a letra duma música de Jaques Brel. Descreve a velhice, dos que já são velhos e dos que serão velhos amanhã, pois o relógio de prata não para e tem paciência para esperar por nós todos.

Tive recentemente conhecimento de que a câmara pretende vender o Edifício da Escola Primária de Trezoi. Esta venda surge como facto consumado sem nunca se ter dado à discussão uma outra alternativa.

Construida há mais tempo do que muitos de nós se lembrarão este foi um edifício que esteve sempre ao serviço da população de Trezoi e das aldeias vizinhas. E é ao uso do povo que deve ficar. Isto não só em relação à escola de Trezoi, onde estudou também grande parte da minha familia. Onde aprenderam a ler e a escrever, a somar e subtrair. Onde aprenderam os nomes das serras e dos rios. Onde começaram a aprender a serem Mulheres e Homens, a ser Cidadãos Portugueses. Mas em relação a todas as outras Escolas do nosso Concelho, onde estudámos todos nós. Foi ainda nessas Escolas que aprendemos que a sociedade é um todo. Que tudo interage com tudo. Que aprendemos a História e a continuidade. Que aprendemos a viver juntos e a olhar uns pelos outros.

A típica Escola Primária Portuguesa é um edifício de paredes sólidas, construído em regra num local alto e soalheiro, virado a sul para optimizar a exposição solar. São em regras rodeadas por um generoso pátio. Claro que no geral a construção deixará alguma coisa a desejar face aos edifícios modernos, principalmente no que toca à capacidade de isolamento térmico. Mas nada que pouco a pouco, escola a escola, não se pudesse resolver.

O Concelho de Mortágua é, como infelizmente já disse várias vezes, um dos mais envelhecidos a oeste do maciço da Serra da Estrela. Claro que temos alguns serviços de suporte aos nossos velhos, que tão queridos nos são, avós e avôs de todos nós. Mas tudo o que possamos fazer por aqueles que nos trouxeram ao mundo e criaram será pouco.

Todas estas escolas, entre um milhão de outras coisas, podiam ser reconvertidas em centros de dia, entregues à associações locais. Há concelhos bem próximos do nosso em que os Centos de Dia existem em quase todas as aldeias, o de Tábua por exemplo. A criação destes Centros de Dia permitiria que os velhos não tivessem mundos pequenos entre a cama, a janela, a cadeia e a cama, como nos diz o Brel.

Permitia criar pontos de encontro onde juntos tivessem o seu almoço, na mesma distribuido pelos serviços sociais patrocinados pela Autarquia, ao invés de o fazerem isolados no seu mundo pequeno.

Permitia a criação de postos de trabalho, pois seria preciso quem os acompanhasse. Não só nas suas refeições mas também na organização de actividades lúdicas. Que os ajudassem na limpeza das suas casas e roupas, tarefas que começam a pesar à medida que os seus movimentos se enchem de rugas.

E quão maravilhoso é rodearmos-nos dum grupo desses Senadores da nossa sociedade e ouvir as suas vozes roucas, ver as pérolas nas suas pálpebras, acordar os seus livros e abrir os seus pianos. E sobretudo evitar que se limitem a esperar na chuva e na tristeza que o pêndulo de prata deixe de dizer sim e dizer não para eles.

Devemos-lhes isso. Manter viva a chama que durante tantos anos iluminou as suas aldeias. Devemos-nos isso.

Aos ilustres membros da Câmara Municipal de Mortágua tenho a pedir que não vendam a Escola de Trezoi. Não vendam nenhuma das Escolas.

As Escolas são nossas. De nós todos. Ponham-nas ao nosso uso. E se não soubermos como o fazer, então tratem de nos ensinar. Pois é também essa a vossa função: ensinar-nos a ser melhores cidadão.


sinto-me:

publicado por Mário Lobo às 12:00
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Quinta-feira, 14 de Agosto de 2008
Novo Blog

Dado o volume de correspondência oficial por mim já trocada este ano com as mais diversas entidades decidi criar um blog para tornar publicas todas essas missivas.

Assim nasce o Cartas do Exílio.

Exílio porque, apesar de poder à minha vontade aceder ao meu País e Concelho, sou na realidade impedido de exercer livremente a minha actividade política pela (quase) totalidade dos orgãos de poder locais.

 

Aqui fica:

http://cartasdoexilio.blogs.sapo.pt/

 


sinto-me:

publicado por Mário Lobo às 15:15
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