Para a pessoa mais desatenta à passagem dos dias, poderia parecer que ainda não estamos em Junho, mas sim em finais de Abril. Pois tantas foram as vezes que vimos nestes últimos dias apelar aos valores de Abril, ao Povo Unido, ao MFA, à Revolução dos Cravos… Para os mais incautos poderá mesmo parecer que a revolução está na rua, que o povo finalmente triunfou sobre a exploração capitalista contra a qual tanto se lutou.
Mas não. É este um momento de tristeza. No espaço de 48h perdemos duas das figuras maiores da Revolução de Abril. No Sábado passado perdemos o Primeiro-Ministro dos II, III, IV e V Governos Provisórios. Às primeiras horas de Segunda-Feira abandona-nos Álvaro Cunhal.
Terminamos assim uma semana de luto e tristeza. Uma semana em que as Memórias de Abril se viram uma vez mais, ao longe, num passado já quase irrecordável. Foram só 30 os anos que passaram de Abril. A larga maioria da população recorda ainda esse dia. Recorda ainda o que era viver sob a mão pesada do Fascismo. Recorda ainda o sonho que um dia ganhou asas, e pela mão dos Capitães de Abril, na figura de ponta do também já falecido Salgueiro Maia.
Todos nós, mesmo os que como eu não viveram esse sonho, e já acordaram para a vida com a contra-revolução a urrar a plenos pulmões, sentimos o 25 de Abril com alguma emoção.
A emoção que se deveria sentir nesta semana, ainda que melancólica pela partida dos dois maiores icones do PREC, seria uma alegria por podermos homenagear, certo que pela última vez, dois homens que tentaram com todas as suas forças conduzir o nosso país a uma verdadeira democracia.
Pena é que o grosso da população desconheça a quase totalidade dos factos ocorridos entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975. Que seja quase desconhecida do povo a posição de Mário Soares e do seu séquito dito socialista, que juntamente com a CIA americana, na pessoa do Embaixador dos Estados Unidos da América em Portugal, e com o governo Britânico, tenham planeado mergulhar o país na guerra civíl com o intuíto de não permitir o continuado subir do apoio popular ao Partido Comunista Português.
Pena é que se considerem as nacionalizações perpretadas por Vasco Gonçalves como ataques à democracia, quando hoje em dia a banca é dos sectores que mais lucros apresentas e menos impostos paga. O único sector da sociedade ao qual não interessou a privatização da banca foi aquele que dela era proprietário. O fim da exploração do povo que faz uso da banca por forma a poder melhorar a qualidade de vida, mas acaba por se ver na situação que verificamos hoje em dia, com as familias a atingirem taxas de endividamento a raiar a insustentabilidade.
Pena é “que até neste país de pelintras se ache normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar!” (in FMI, José Mário Branco). Continuamos a ver o Alentejo incultivado, a monte, agora entregue a reservas de caça privadas. Enquanto os latifundiários continuam a viver em Lisboa graças aos fundos que recebem da Comunidade Europeia para não produzirem nada, pois as quotas da PAC não o permitem. Enquanto que o povo, numa região em que a agricultura poderia ser uma das maiores fontes de rendimento, continua assim condicionado a uma parca sobrevivência.
Pena é que, dia após dia, os serviços públicos sejam alienados ao sector privado, acabando assim com a perspectiva social do que o serviço público deve ter. A privatização dos Hospitais que apesar de ainda forçados a um fraco contrato social, começam já a dar beneficios aos portadores dos seguros de saúde (que só tem quem tem capital) em detrimento do atendimento do cidadão comum. Uma privatização do sector dos transportes rodoviários de passageiros que levou milhares de aldeias a uma situação de isolamento total. Isolomento que afecta principalmente quem se encontra numa condição social mais desfavorecida, ou sejam idosos, desempregrados, assalariados das profissões não qualificadas. Enquanto que a quem tem dinheiro e faz as leis o autocarro não faz falta porque os carros de alta cilindrada, adquiridos à conta de manobras de dedução fiscal, só posiveis a quem detentor de altos rendimentos, são, de facto, muito melhor meio de transporte.
Pena é que ao invés de sermos todos cada vez mais iguais e atendidos de igual forma pelos detentores de poder, seja este politico, administrativo ou financeiro, surja cada vez mais um clientelismo, um jogo de parcerias e conhecimentos em que tudo o que possa servir de real beneficio à população em geral circula dentro de grupos restritos de pessoas, que assim acumulam cada vez mais dinheiro e poder e se separam cada vez mais do povo. Situações como a de entregar a exploração do abastecimento de água a empresas privadas. Empresas que à laia de criarem um melhor serviço vão buscar dinheiros públicos que serão distribuidos por administradores que já são titulares de altos cargos politicos, concentrando assim vários rendimentos. Enquanto isso o povo paga cada vez mais pela água, pois é necessário manter o sorvedouro de dinheiro alimentado, e tem um serviço de, cada vez, pior qualidade, em que por vezes a própria água da rede pública é imprópria para consumo.
Pena é que cada movimento social que se erga seja menietado pelo poder, à conta de uma subserviência financeira que se criou face ao poder politico.
Como diz José Mário Branco, no mesmo texto FMI, “lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.”
Valeu pois… valeu a pena porque assim se pode que é possivel. Lembrai Vasco Gonçalves. Lembrai Álvaro Cunhal. Lembrai Salgueiro Maia. Lembrai todos aqueles que acreditaram que um dia chegariam à outra margem. Ainda que para de novos serem escorraçados para de onde vinham. Lembrai a luta de todos aqueles que morreram às mãos do fascismo. Em Gonçalves e em Cunhal morre um pouco da força para tornar a ganhar a margem de lá. Para sermos verdadeiramente livres e iguais. Mas não baixaremos os braços. Não deixaremos de lutar.
25 de Abril, Sempre!
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