A Palavra Livre de Mortágua
Sexta-feira, 8 de Julho de 2005
A Sensação de (In)segurança

Estamos todos de olhos postos em Londres, e nos eventos ocorridos no passado dia 7 do corrente mês. Esta é um tipo de situação que quase já tinhamos esquecido. Em 2003 foram os comboios em Madrid, e em 2001 o World Trade Center em Nova Iorque. E já longe e quase esquecidos vão os tempos em que um terrificador Coronel Kadhafi semeava o medo pelo mundo ao desviar e fazer explodir aviões de passageiro.

Até à quinta-feira anterior tornámos a criar uma sensação de segurança. Mas será real esta sensação? Ou melhor, será o puro reflexo de uma situação real que se vive, ou é tão só uma ilusão? Talvez seja tão só uma ilusão. A prova são-o Londres, Madrid, Nova Iorque… Assim se prova que células de terroristas, comummente associadas à Al Qaeda (A Base, em Árabe) de Bin Laden e aos Taliban (plural de Talib) afegãos, tal como virus hibernantes estas células escondem-se e ficam adormecidas até ao momento em que eclodem com o mais terrivel dos resultados. No momento que escrevo estas linhas os números indicam para cerca de 50 mortos e mais de 700 feridos, em três explosões na rede de metro londrino e uma num autocarro.

Não haverá, talvez, acto mais repugnante e reprovável que os atentados terroristas. Ataques sem quartel, sem ferir o poder militar dos inimigos mas sim cidadãos ditos inocentes. Como podem estas pessoas, este povo (o povo árabe) cometer tais actos contra paises que tão somente os querem ajudar a implementar a democracia e o bom-viver ocidental. Os quais tão paladinamente defendemos. Que com tanta convicção queremos ajudar…

A propósito de ajudar, ocorre-me uma pequena piada. Não que seja este um tempo para piadas, mas temos que saber rir até nos momentos mais dificies, à maneira dos bons ingleses. Conta-se de um chefe de um grupo de pequenos escuteiros , com 7 ou oito anos, que versava aos seus pupilos sobre as boas acções e a sua prática. Sobre como devemos ajudar os que mais necessitam. Ora, no fim-de-semana seguinte ao indagar os gaiatos sobre as suas boas acções todos lhe responderam terem ajudado uma velhinha a atravessar a rua. Após louvar o feito o lider do grupo questionou se por acaso não teriam todos ajudado a mesma senhora… E claro que sim! Motivo de “tanta” ajuda? Ela não queria atravessar.

Quando se demandou na cruzada de “libertar” o Iraque do seu opressor, ninguem perguntou aos iraquianos se queriam ser libertos. Como estes há muitos outros exemplos. Não pretendo defender a acção do Sr. Saddam Hussein frente aos designios do seu país. Mas convêm a análise mais cuidada do que é e era o Iraque. Antes de 1991, altura da guerra entre os Estados Unidos do Sr. George Bush (o pai) e o país mesopotâmico, o Iraque era um país que, apesar das arbitrárias prisões por delito de opinião (figura que não nos é estranha) tinha 80% da sua população na classe média. O famoso bairro sunita de que tanto de fala, Sadr City, é nem mais nem menos que um “pequeno” bairro social, construído por ordem do estado, com capacidade para 2 milhões de habitantes. Bairro que alguns conterrâneos nossos ajudaram a construir na década de oitenta.

Claro que, há 3 anos, quando se deu o início do conflito de Bush filho, o Iraque não era nada disto. Pois não. Metade da população passava fome. A distribuição de água era diminuta e só a algumas regiões. A agricultura inexistente. E foi isto obra de um ditador lunático? Talvez também. Mas foi por certo obra das sanções que as Nações Unidas impunham ao Iraque. Estas sanções impediam a aquisição, por parte do seu governo, dos mais banais e necessários químicos para a sua sobrevivência. Foi proíbida a aquisição das mais comuns e usuais vacinas. Vacinas essas que nós, nesta nossa sociedade agora de novo insegura, temos por garantidas. E porquê? Porque podiam se usadas para a criação de armas biológicas. As tais armas de destruição maciça que justificaram uma guerra e a destruição de património do início da História, e que afinal não existiam. Foram impedidos de comprar os mais básicos pesticidas para poderem combrater as pragas de insectos tão comuns naquelas paragens. Porquê? Mais uma vez as armas biológicas.

O território do Iraque é das zonas mais áridas do mundo. Todo o território é seco e desértico. Todo à excepção de um triangulo fertil que se situa entre os rios Tigre e Eufrates. É na região da confluência destes dois dias que se situa o que resta do outrora denominado Crescente Fertil. Estes dois cursos de água provêm do território da Turquia, onde têm as suas nascentes. No alto do búlicio contra o Iraque e acusos contra a sua falta de colaboração na detecção e eliminação das famosas armas de destruição maciças, a Turquia aproveitou para reduzir o caudal destes rios em cerca de 90%, deixando correr tão somente um décimo do fluxo anterior.

A Organização Mundial de Saúde estima em cerca de 500 000 criaças (quinhentas mil) as que morreram devido às sanções impostas pela ONU.

Mas era um ditador, o Sr. Hussein. E o Sr. Musharaf, no Pasquitão, não o é? E a família real saudita? E Presidente da Republica de Angola, Sr. José Eduardo dos Santos?
E o que dizer da acção do estado de Israel que escassos 6 anos após a sua fundação tinha, através da acção militar, aumentado o seu território para mais do dobro. Que continuam a violar e violentar os direitos do povo palestiniano que habita aquela terra há mais de 1500 anos.

Tome-se então o caso da Palestina. De um lado um dos mais bem armados exércitos do mundo. Do outro uma nação que luta pela sua afirmação que vê os seus filhos abatidos a tiro por não respeitarem o horário do recolher obrigatório. Em 2003, durante uma das milhentas fases de imposição da lei marcial à cidade de Ramalah, o pequeno Youssef, com seis anos, na excitação do seu primeiro dia de escola sai de casa 15 minutos antes do fim do recolher obrigatório. O dia mais feliz desta criança, em que começaria a aprender, em que se começaria a formar para um dia vir a ser um homem. E chegou à escola? Não, não chegou! Passados alguns metros encontra a morte na forma de um tiro de um franco-atirador do exercito israelita. Pam! Em cheio na cabeça. Mais um perigoso terrorista abatido. Mais segurança trazida ao mundo! Assim. Naquele dia que será o seu primeiro de escola. Um filho. Um irmão. Um neto. E se fosse o seu filho, caro leitor? Se fosse? Pois é! Não é… o nosso mundo é (in)seguro…

Quem não pegaria em bombas para retaliar contra a força ocupante. Por alguma coisa o mais temido grupo pelos israelistas é a Brigada das Mães e Viúvas da Palestina. As chamadas mulheres bomba. As que já nada têm a perder.

Nunca aprovei, nem aprovarei jamais a tomada de uma vida humana. Seja qual for o motivo ou o pretexto. Mas devo dizer que entendo bem o que passa pela mente das pessoas que tomam esse tipo de atitudes. Que decidem martirizar-se, e assim levar consigo alguns dos outros. Os cidadão inocentes. Tão inocentes que se chocam de forma angustiante por 50 mortos em Londres, e nem pestanejam quando mais um carro bomba estoira em Bagdad. Quando mais uma casa é deitada abaixo na palestina, deixando uma familia sem tecto porque um seu filho decidiu pegar em mãos a luta armada contra um potência ocupante e opressora. São homens e mulheres como nós que lá moram. No dia que formos iguais talvez o terrorismo desapareça… talvez.

Porque mais violento que o terrorismo dos grupos de oprimirdos, são o terrorismo de estado e as politicas neo-liberais que oprimem e subjugam à pobreza (menos de um dolar por dia, cerca de 90 cêntimos de Euro) mais de dois terços da população humana. Um mundo em que as politicas de oito senhores reunidos aquando das explosões de Londres continuam a oprimir e manipular a seu bel prazer.

Um mundo onde morre, a cada três segundos, uma criança devido à fome. Três segundos. Perto de 100 durante o tempo que demora a leitura deste texto. Mais de mil por hora. Perto de 30 mil por dia. 200 mil por semana. 860 mil por mês. Mais de 10 milhões por ano. Talvez se estivessemos do lado de lá o terrorismo fizesse sentido. Talvez fosse essa a única porta disponivel para exprimir a revolta.



publicado por Mário Lobo às 21:00
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