A Palavra Livre de Mortágua
Sexta-feira, 11 de Julho de 2008
Ainda o Museu Salazar
No passado dia 1 de Julho foi discutido na Assembleia da República o
projecto da Câmara Municipal de Santa Comba Dão para a construção da
Casa-Museu Salazar.
Este projecto remonta ao tempo em que Manuel Maria Carrilho era Ministro
da Cultura do governo PS. Tempo em que Orlando Mendes (PS também) era
presidente da autarquia santacombadense. Mais recentemente o actual
executivo camarário (PSD/CDS), presidido por João Lourenço, veio
ressuscitar a ideia do antigo autarca.
Mas se este nunca foi um projecto projecto pacífico, ganhou recentemente
contornos menos claros. Desconhece-se mesmo qual o objectivo e real
interesse de tal projecto. No início Museu Salazar, depois Casa-Museu
Salazar, mais tarde Parque Temático Salazar e agora Centro de Estudos do
Estado Novo. E todos estes nomes no espaço de um ano.
Mais caricato é o espólio "museológico" que a Câmara detém para rechear
o museu, "doado" (a troco de uma renda vitalícia de 2000 por mês) por
um sobrinho neto do antigo governante do Vimieiro. Nas palavras de um
acessor de João Lourenço há: chinelos, estojo da barba, pente,
restaurador Olex, discos da Amália e outros tarecos do género. De
material de interesse histórico nem um item. O espólio politico
encontra-se na Torre do Tombo e os poucos documentos que estavam na casa
do Vimieiro foram há alguns anos entregues à Univesidade Católica.
Não se pode negar que o homem que mais importância teve no século XX em
Portugal foi António de Oliveira Salazar. Que o digam as largas centenas
de milhares de portugueses que se viram forçados a emigrar para poderem
fazer as suas vidas, muitos aqui para o Luxemburgo. Vidas que em
Portugal estavam condenadas à miséria e à opressão. Com medo de agir,
medo de falar, medo até de pensar pois, a cada esquina, espreitava a
PIDE e o seu exército de bufos que, tal e qual Judas, vendiam vizinhos,
amigos e até família por quaisquer 30 dinheiros. E para os homens
acrescia a ameaça da ida para a guerra: 4 anos por terras de África.
Centenas de milhares de jovens voltaram traumatisados e estropiados para
a vida. Muitos nem sequer voltaram, pagando com a vida uma aberrante
política colonialista.
Outros ainda, não tendo ido à guerra sofreram na pele a violência dos
"safanões a tempo" que a PIDE administrava aos que se recusavam a
aceitar a ditadura fascista. Foi um desses "safanões" que matou Humberto
Delgado, outro que matou o pintor Dias Coelho, e muitos outros. Foram os
"safanões" que espancaram, torturaram, humilharam e encarceraram
milhares de portugueses.
E tudo sob o olhar atento e complacente do ditador de Santa Comba Dão.
A Assembleia da República discutiu e entendeu, por larga maioria (com os
votos contra do PSD e do CDS), que o projecto do Museu, ou lá o que lhe
queiram chamar, mais não pretende criar um relicário àquela que foi a
mais ignóbil e vil figura do século XX em Portugal.
Ao invés deste altar faça-se um espaço de memória para que os vindouros
nunca se esqueçam do que foi o regime fascista e estejam atentos e
informados o bastante para, mal comece a surgir, impeçam outro Salazar
de se levantar.