Corria o ano de 1878 quando se iniciou a construção da Linha da Beira Alta. Esta é ainda a principal ligação ferroviária internacional que Portugal possui. A escolha do traçado desta via foi demorado e em nada fácil. A ideia consistia em ligar a já existente Linha do Norte a Espanha atravessando toda a Beira Alta. Foi escolhido um traçado que acompanha o vale do Mondego, como forma de amenizar as dificuldades de construção que pudessem vir a ser encontradas por causa do relevo. Como o Rio Mondego entre Coimbra e a foz do Dão passa por vales escarpados a solução encontrada passou por entroncar esta linha com a do Norte na Pampilhosa. Foi escolhido, como de esperar, a rota mais fácil. Ou talvez se deva dizer e menos difícil, porque mesmo assim só no troço entre o Luso e Santa Comba Dão a Linha da Beira Alta tem 6 túneis (um dos quais com mais de 1800m) e 6 pontes de maior dimensão. Foi preciso vencer a Serra do Buçaco e vales adjacentes, e os Rios Criz e Dão.
As alternativas a este projecto não seriam de todo viáveis devido à Serra do Caramulo a Norte e à Cordilheira Central (Serras dos Candeeiros, Lousã, Açor e Estrela) a Sul. De facto a mais ameno pontos de passagem do Litoral para o Interior Portugueses entre os rios Douro e Tejo é precisamente através de Mortágua. Por esse mesmo motivo era a Estrada Nacional 234 uma das principais ligações a Vilar Formoso, e consequentemente a Espanha. Seria a estrada menos sinuosa de entre as escolhas possíveis.
Assim, o Concelho de Mortágua situa-se em pleno eixo de ligação entre o Litoral Português e o Centro da Europa.
Mudando agora um pouco de meio de transporte.
A Federação Europeia de Ciclistas (FEC, European Cyclists’ Federation no original – http//www.ecf.com/) é uma organização sedeada na Bélgica que congrega associações de ciclistas de toda a Europa. Tem por objectivos defender uma política europeia para o transporte em bicicleta, o desenvolvimento duma rede europeia de ciclo-vias e a promoção do ciclo-turismo, entre outros. No âmbito dos seus objectivos compilam informação sobre as vias cicláveis da Europa tendo inclusive publicado um mapa com estas.
Num outro patamar, mais regional, assistimos ao lançamento da Ciclovia do Dão que, através do leito da antiga Linha do Dão, liga os Concelhos de Viseu, Tondela e Santa Comba Dão.
Por último o Concelho de Mortágua, apesar de algo montanhoso possui extensas várzeas o que lhe atribui características de qualidade para a prática velocipédico, prova disso é a quantidade de provas e passeios a que podemos assistir. O aumento destes passeios, em Mortágua e noutros locais, é potenciado por um crescente aproximar das populações à natureza.
Já não vamos de férias só para a praia, procurando conhecer mais do que a faixa de areia que orla o nosso País. Cada vez mais as pessoas se interessam pelas chamadas actividades “out-door” privilegiando a deslocação de lazer em bicicleta pelo contacto que este meio lhes permite com o ambiente circundante.
Será já tempo de em Mortágua começarmos a pensar neste assunto. Também um dia uma ligação velocipédica de efectuará entre a Orla Marítima Portuguesa e o Centro da Europa atravessando Portugal. Também um dia terá de ser escolhido o trajecto para essa via. E claro que haverá outros pontos possíveis para esta ligação, e claro que alguns desses locais tudo farão para ser escolhidos.
Com a recente integração de Mortágua na Sub-Região do Baixo Mondego e com o seu passado na Região Dão-Lafões o Concelho de Mortágua é por excelência a Porta entre o Litoral e o Interior Portugueses. Só cabe aos Mortaguenses decidir o tipo de Porta que querem ter. Se um portão velho e ferrugento, sem algum interesse para quem passa, ou se um arco vistoso e dourado.
A aposta na Rede de Ciclovias Europeia deve começar o mais prontamente possível. Outros próximo de nós já se preparam para isso. Devíamos com os nossos vizinhos do Baixo Mondego e do Dão-Lafões começar a definir esse projecto de ligação. Devíamos paralelamente dotar o nosso Concelho de ciclovias locais ao longo das ribeiras, na margem da Albufeira da Aguieira, com ligação à Mata do Buçaco, à Serra do Caramulo, etc. Estas ciclovias, juntamente com outras apostas, seriam chamarizes turísticos que poderiam trazer gente ao Concelho.
Também desde já, e não esperando pela Rede Europeia seria de pensar a ligação à Ciclovia do Dão e potenciar a sua continuação a Coimbra através do centro de Mortágua e seguindo o traçado da antiga estrada real. O avanço nesse sentido poderá evitar que uma futura via ciclável entre Viseu e Coimbra venha, à semelhança do IP3, a passar retirada da sede de Concelho. Se de carro um desvio de 10Km já não é agradável o que se poderá dizer então de bicicleta.
Foi em Agosto de 2007 que um jornal nacional noticiou aquilo que todos nós Mortaguenses sabíamos há muito: fora do período de aulas mais do que 4 em cada 5 povoações do nosso Concelho ficavam privadas de transportes. Dois anos passaram ainda até o executivo municipal tomar uma atitude face a esta situação, apesar de esta já estar inscrita no plano de actividades da autarquia há algum tempo.
O nosso Concelho, com mais de 60% da população concentrada pouco mais de uma dezena de povoações na várzea de Mortágua e os restantes 40% espalhados por perto de 70 povoações dispersas, apresenta condicionantes particulares no que toca a esta temática dos transportes. Mas apresenta também possibilidades interessantes que não deveriam ser ignoradas.
Para uma análise mais completa devemos, para além do aspecto desta dispersão populacional, ter em conta a idade dos mortaguenses. Sendo o Concelho um dos mais envelhecidos, senão o mais, a Oeste do maciço da Serra da Estrela temos que ter em conta que uma parte significativa do público-alvo dum serviço de transportes será a população idosa.
Mantendo em vista os dois pontos anteriores devemos agora analisar qual a utilidade dum Serviço Municipal de Transportes. Para isso é necessário saber os motivos pelos quais as pessoas se deslocam. Para além dos óbvios que serão os estudos e o trabalho há uma miríade de outros motivos: ida às lojas e mercados, consultas no centro de saúde ou outros serviços médicos privados, utilização dos equipamentos desportivos e de outros equipamentos e serviços públicos. Há depois ainda as utilizações conjugadas, a exemplo uma mãe que trabalhe na zona industrial que, após o trabalho, tenha que ir buscar o filho à escola e passar pelo supermercado para umas “comprinhas” para o jantar.
Claro está que, ao fazerem-se as coisas para dar vista, nenhuma destas situações foi acauteladas. A Rede Municipal de Transportes para pouco mais serve do que para o transporte de alunos, o que já era antes assegurado.
Recentemente ficamos a saber da supressão de duas linhas, a que servia a Zona Industrial de Mortágua e a Unidade Industrial da Felgueira. O motivo apresentado foi o de que as “duas linhas que servem as zonas industriais não têm número suficiente de utilizadores que justifiquem a sua continuidade”. E porque não tinham elas utilizadores, alguém se questionou sobre isto? Talvez porque não servissem os interesses da população.
Como referido seis dos dez mil habitantes do Concelho residem ao longo do eixo Vale de Açores – Vila Moinhos, ora seria sobre este eixo que se deveria focar o centro nevrálgico da Rede de Transportes. E a partir deste eixo criar as ligações a todo o Concelho, e mesmo às sedes dos Concelhos limítrofes.
A não interligação das várias linhas criadas por este serviço leva-nos mesmo a questionar a nomenclatura de rede, pois por rede entende-se um conjunto de coisas interligadas.
Com o motivo apresentado para a supressão destas duas linhas é caso para perguntar o que se irá passar no verão quando as linhas que ligam às aldeias mais pequenas não tiverem também o “número suficiente de utilizadores”. Serão também suprimidas? Então o que sobra? Sobra o que tínhamos antes, ou seja, o transporte escolar.
Perante a quase total inutilidade deste novo serviço de transportes face ao anterior resta-me fazer algumas propostas.
Começar por centrar o serviço no centro urbano do Concelho com a criação de um serviço de circulação permanente que venha a ligar todo o eixo Vale de Açores – Vila Moinhos, com passagens pelo novo Centro Escolar, Centro de Saúde, Ninho de Empresas, Complexo Desportivo do Vau e escolas Preparatória e Secundária, Zona Industrial, comércios incluindo, etc... Este(s) autocarros(s) deve(m) devem ter passagens separadas por nunca mais de 30 minutos durante o período laboral, sendo que a extensão ao um horário mais tardio se pode efectuar com um intervalo maior.
Deve pensar-se na articulação com os Comboios, que foi uma coisa que, ao que parece, que ninguém considerou. Sendo o comboio o principal transporte público para a saída e entrada de pessoas no Concelho será natural que a Estação dos Caminhos de Ferro seja servida por um Serviço Municipal de Transportes que se preze.
É indiscutível que no período de entrada e saída das escolas a disponibilidade de transportes deve ser a mais rápida possível. Mas durante o dia deve efectuar-se pelo menos mais uma ligação às aldeias, possibilitando que a que as pessoas não tenham quer perder todo um dia para se deslocarem de autocarro à vila para um assunto que não lhes leve mais que meia hora a tratar. Estas linhas não precisam de ser, como é óbvio, nem simultâneas nem às linhas que sirvam as escolas, podendo efectuar-se voltas maiores e mais demoradas.
Por último devo defender intransigentemente que seja terminado o protocolo com a empresa TransDev, que como qualquer empresa não visa outra coisa que não o lucro, e que seja criado um verdadeiro Serviço de Municipal de Transportes detido e gerido directamente pela autarquia.
Um tal serviço seria dotado de autocarros próprios que podem depois ser utilizados, para além do transporte colectivo concelhio, no transporte das colectividades e grupos desportivos do Mortaguenses nas suas mais variadas deslocações. Podem ser ainda utilizados para os mais diversos fins culturais e recreativos, como os passeios dos idosos, viagens de estudo das escolas e tudo o que demais possa surgir.
Sendo proprietária directa de um tal serviço estaria também ao acesso da autarquia a acção social nos transporte com, por exemplo, a oferta de viagens grátis a pessoas que tenham que se ir a uma consulta no Centro de Saúde ou o apoio a famílias carenciadas através da redução parcial ou total nos passes sociais.
Só a existência duma Rede de Transportes eficaz poderá chamar as pessoas. O actual sistema não permite combinar deslocações, como se o único trajecto que as pessoas efectuam durante o seu dia-a-dia seja casa-trabalho e trabalho-casa. Um serviço permanente que possibilite várias deslocações no mesmo dia é o que se entende por Rede de Transportes.
É dito e sabido que a memória é traiçoeira, selectiva, cruel e injusta, pois esquece-se por vezes de coisas importantes como aquele número de telefone tão necessário por exemplo. Por vezes não esquece, ignora. Tão frequente que é termos algo “debaixo da língua” e não sair.
Por isso todos nós temos os nossos truques para guardar as coisas que nos são importantes: uma agenda para os números de telefone e para os compromissos, um caderninho para as receitas, um arquivador para as facturas da água e da luz, uma caixa de sapatos onde guardamos coisas a avulso, sem algum valor aparente mas que são os nossos pequenos tesouros. Guardamos as fotografias das férias de 1985, guardamos aquele bilhete de comboio de quando fomos ao zoológico pela primeira vez.
São infindáveis as coisas que precisamos de guardar fora da nossa cabeça, porque a cabeça esquece-se, e um dia apaga-se, como é da lei da vida. Mas a caixinha de sapatos com o bilhete do zoo ficará para sempre. Lá guardada, num sótão qualquer.
Mas mesmo nós, que com tanto zelo fomos enchendo essa caixinha com as coisas que à altura nos pareceram importantes cometemos o desleixo de não organizar essas memórias físicas. Fica tudo a monte. E se tivermos um apetite voraz pela recordação acabamos com não uma mas várias caixinhas, que guardamos em todo o lado, sem a menor ideia do que temos lá dentro. E mais... aquilo que na altura não pareceu importante procuramos agora em vão por todos esses baús de memórias. Porque não sabemos hoje o que vai ser importante amanhã, e porque não podemos guardar tudo, quando não outra coisa não faríamos para além de guardar e organizar e seleccionar e catalogar e... etc, etc...
Mas não é só o indivíduo que tem memória. Os povos também a têm. Como se explicaria, de outra forma, o que é ser português, ou francês, ou chinês. Há uma memória colectiva que nos une, a nossa velha de 900 anos. Pequenas coisas como uma palavra, ou grandes como o Mosteiro dos Jerónimos. Coisas aparentemente insignificantes como uma carta real datada de há séculos atrás, ou a fotografia de Salgueiro Maia frente à coluna militar que tomou Lisboa naquela madrugada de Abril. Os golos do Eusébio, o caminho marítimo para Índia, o Nobel de Egas Moniz, os Lusíadas de Camões... Tudo isso é a nossa memória, a nossa História. É isso que faz de nós que nós somos. Sem história, enquanto povo, não somos nada. E essa memória não se pode guardar na nossa cabeça. Nem nas caixinhas que cada um tem em sua casa.
Essa memória tem que ser guardada de forma organizada, catalogada por temas e épocas. E essa é uma tarefa grande demais para um Homem só.
O que faz de nós Mortaguenses? O facto de vivermos em Mortágua? Não será isso por certo, pois eu há mais de 10 meses que deixei a minha vila natal e não sou por isso menos Mortaguense. O que faz de nós Mortaguenses, à semelhança do que faz de nós Portugueses, é a nossa memória colectiva – a nossa História. É o TEM, é o Tomaz da Fonseca, são as Cerâmicas, é o João das Ideias, é a Câmara Velha, é a estrada velha, é o Juiz de Fora, é aquela história pequenina no jornal de “mil novecentos e carqueja”, é um sem fim de coisas que esgotaria por certo estas páginas e de outras publicações que haja.
É algo que ultrapassa cada um de nós.
E agora, pergunto eu, onde posso eu comprar um livro do Tomaz da Fonseca, se o quiser na minha colecção? Onde posso eu rever a glorioso momento que foi o Auto do Juiz de Fora e a sua transmissão televisiva? Onde posso eu encontrar o primeiro número do primeiro jornal local? Ou do mais recente?
Em lado nenhum.
A nossa memória cada um a guarda consigo. E partilhamo-la, claro, quando nos encontramos e contamos esta e aquela história. Mas mesmo essa partilha é limitada, pois nós não nascemos “no princípio dos tempos”, e por certo não ficaremos até ao fim.
Essa Memória Mortaguense terá a sua casa e o seu lugar de honra num Arquivo Municipal de Mortágua.
Arquivo esse que deve não só albergar tudo o que já foi, mas que deve activamente registar tudo o que vai sendo. Hoje em dia é fácil registar uma actuação do Orfeão Polifónico, de um dos 5 Ranchos do Concelho, de outra qualquer colectividade cultural. É fácil guardar aquela notícia de 30 segundos que passou quase no fim do telejornal que, ainda que pequenina, para nós é a maior notícia do mundo, pois fala da nossa terra.
É fácil guardar cópias de todos os jornais, de todas as revistas, de todos os livros que falem da nossa terra. Organizar um arquivo fotográfico, registar o som dos pássaros que habitam a nossa vasta floresta, o som dos riachos de pedra em pedra, do comboio, dos motosserras, de tudo...
Guardar as lendas e os contos que os nossos idosos tão bem sabem contar, e que um dia as levarão com eles dentro da sua memória. À semelhança da “parceria” de Tomaz da Fonseca e do Poeta Cavador, cabe-nos a nós registar essa memória oral.
Cabe-nos a nós registar tudo.
Tudo... guardar tudo. Pois só assim, amanhã, teremos a certeza de que guardamos o que é importante.
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