Na edição passada deu este jornal à estampa um texto com o título “A Liberdade de Escolher”. O seu autor usa-se de fontes várias para tentar explicar o que parece desconhecer, como se pode verificar por uma leitura atenta do seu escrito, sobretudo se em justaposição às fontes enunciadas. Neste exercício são suprimidas partes fundamentais dos textos que lhe servem de apoio, sem se preocupar em assinalar essa supressão, para justificar a sua opinião.
Confunde os conceitos de Bolchevique com Velha Guarda Bolchevique, ao copiar a parte errada da página da Wikipédia[i]. Suprime cirurgicamente quer palavras quer frases da definição de Centralismo Democrático patente na Infopédia[ii]. Quanto à referida fonte do ISCTE nada poderei afirmar pois não a consegui encontrar, mas ainda assim faço fé na sua palavra. Encontrei no entanto num site brasileiro sobre as ciências humanas num texto intitulado “Centralismo Democrático”[iii] que me parece ser bastante semelhante ao utilizado.
Mas de todas a mais insidiosa é a truncagem do excerto que copia dos Estatutos do Partido Comunista Português.
Deixo aqui tão só a correcção e a cópia, na íntegra, do conteúdo do artigo 16º, ponto 2, alínea h) dos Estatutos do Partido Comunista Português[iv] e convido o leitor a compará-lo com a redacção que o referido escriba lhe deu no referido texto:
“Artigo 16º
2. São princípios orgânicos fundamentais:
h) O cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções - entendidas como a formação de grupos ou tendências organizadas - que desenvolvam actividades em torno de iniciativas, propostas ou plataformas políticas próprias.”
Deixo-vos também a transcrição de um pedaço dos Estatutos do Partido Socialista[v], Partido a cuja Organização Concelhia o referido autor preside. Deixo-a para que possam descobrir outras diferenças, para além da semântica, entre um e outro preceito:
“Artigo 6º (Do direito de tendência)
1. O Partido Socialista reconhece aos seus membros o direito de identificação com correntes de opinião interna compatíveis com os seus objectivos e de se exprimirem publicamente no respeito pela disciplina partidária.
2. Não é admitida a organização autónoma de tendências nem a adopção de denominação política própria.”
Passemos então à história e será de começar por uma pequena referência linguística. Em russo diz-se bolche (больше) para dizer maior, e menche (меньше) para dizer menor. De onde temos Bolchevique (большевик) – partidário do maior (ou da maioria) – e Menchevique (меншевик) – partidário do menor (ou minoria).
No 2º Congresso[vi] do Partido Social Democrata dos Trabalhadores Russos (PSTDR), realizado em 1903 em Bruxelas e Londres, é delineada uma clivagem que viria a perdurar até aos dias de hoje entre os partidos (ou partidários) defensores, ou ditos defensores, duma sociedade Socialista como objectivo final das suas políticas.
Esta clivagem prendeu-se com o modelo pretendido para a inscrição de membros no PSDTR. Um grupo entendia que estes deveriam dar provas da sua militância e participar activamente no Partido de forma concertada a nível nacional, defendendo que a classe dirigente emanaria das bases e como tal dos próprios trabalhadores russos progredindo sucessivamente na estrutura hierárquica do Partido. O outro grupo defendia que os militantes deveriam ter uma participação voluntarista e esporádica e de expressão local, deixando a direcção do Partido a nível nacional entregue a uma elite intelectual. Esta divergência de ideias ganhou maior dimensão já após a Revolução de Outubro (de 1917).
No final do referido congresso os defensores da primeira corrente estavam em maioria e os da segunda corrente em minoria. Ficaram assim, por mera circunstância numérica, uns conhecidos como Bolcheviques e os outros como Mencheviques, denominação que persiste até hoje passando de meramente circunstancial a ideológica. Mais tarde uns seriam os Comunistas e os outros os Socialistas.
E não, caro amigo, não fui eu que classifiquei o seu Partido de Menchevique, foi o seu correligionário, e fundador do mesmo, Mário Soares no famoso debate televisivo que travou com Álvaro Cunhal já no distante no ano de 1975.
Por fim e por mera curiosidade note-se que a palavra “Socialismo” ou a expressão “Sociedade Socialista” não aparecem uma única vez nos Estatutos do Partido Socialista.
Temos nos últimos dias sido surpreendidos com aquilo que ainda há poucas semanas poderíamos considerar como sendo os comentários mais aberrantes por parte de titulares de grandes fortunas mundiais. Começou por um artigo em que Warren Buffet, no New York Times[vii], pedia para que o governo americano deixasse de mimar tanto os ricos e teve o seu mais recente episódio numa tomada de posição colectiva dos detentores das 16 maiores fortunas pessoais francesas, na revista Le Nouvel Observateur[viii], com o auto explanatório título de, em tradução livre, “Cobrem-nos impostos!”.
Já anteriormente o “Dr. Doom”, com o é intitulado o economista Nouriel Roubini depois de ter previsto a explosão da bolha do imobiliário com 3 anos de antecedência, tinha defendido a nacionalização da banca[ix] como solução para o combate à crise do crédito. Numa entrevista para o Wall Street Journal[x] Roubini aponta aquilo que já Marx tinha anunciado, que “o capitalismo chegará ao ponto em que se destrói a si próprio”, e Roubini vai mais longe e sentencia: “não se pode continuar a deslocar receitas do trabalho para o capital”. Acrescenta ainda o economista que “faz sentido individualmente que todas as empresas queiram é sobreviver e prosperar, por isso reduzem ainda mais o custo do trabalho, mas o meu custo do trabalho é o rendimento e consumo de alguém.”
Pergunte-se a um qualquer comerciante da nossa praça e ele dirá o quanto sentiu a redução de cerca de 20% nos salários de alguns funcionários públicos entre 2000 e 2010, acompanhado de reduções semelhantes ou ainda maiores nos vencimentos do sector privado. A ausência de dinheiro no bolso dos consumidores leva à asfixia da economia. A austeridade desejada pelo nosso governo, que afecta muito mais os baixos e médios rendimentos, só levará ao agravar do fosso entre ricos e pobres. De referir que Portugal é, juntamente com a Espanha, o país da Zona Euro em que a diferença de rendimentos entre os que mais e os que menos ganham é maior. Os portugueses que se encontram entre os 20% melhor remunerados receberam no seu total 6 vezes mais que o total dos 20% menos remunerados do país[xi]. Este rácio chegou a ser de 7,4 no final mandato de Durão Barroso enquanto Primeiro-Ministro (2003), tendo desde então descido timidamente.
A jeito de conclusão remata ainda Roubini que o problema da crise do crédito não se pode resolver com liquidez. São apontadas 3 soluções: o crescimento económico (que ele classifica de anémico), a poupança (mas com a poupança reduz o consumo e como tal a receita) ou a inflação (com todos os contras que possa trazer). Esgotadas estas três possibilidades resta renegociar a dívida. O tal renegociar da dívida que todos denunciavam como sendo um apelo ao não pagamento da dívida, mas que a europa nos veio a propor (com a extensão dos prazos de pagamento e o controlo dos juros) e que afinal nós tão lestamente aceitamos.
Afinal Marx, bem como os seus seguidores nacionais, tem razão…
[i]Wikipedia, Bolchevique – http://tinyurl.com/3gn47lp
[ii]Infopedia, Centralismo Democrático – http://tinyurl.com/436gxx6
[iii]Ciências Humanas, Centralismo Democrático – http://tinyurl.com/3mbqfly
[iv]PCP, Estatutos – http://tinyurl.com/4y2dkqy
[v]PS, Estatutos – http://tinyurl.com/3kelyua
[vi]Marxists Internet Archives (Arquivos Marxistas na Internet), II Congresso do Partido Social Democrata dos Trabalhadores Russos – http://tinyurl.com/42o26q3
[vii]New York Times – Stop Coddling the Super Rich (Parem de Mimar os Ricos) – http://tinyurl.com/3vwuttj
[viii]Le Nouvel Observateur – «Taxes-nous!» (“Cobrem-nos Impostos!”) – http://tinyurl.com/3r7p9bb
[ix]Wall Street Jounal – ‘Nationalize’ the Banks (“Nacionalizem” os Bancos) – http://tinyurl.com/blb4b2
[x]Wall Street Journal – Karl Marx was Right (Karl Marx tinha Razão) – http://tinyurl.com/3h3wkyy
[xi]Eurostat – http://tinyurl.com/3o6g5hs
O texto que se segue é de autoria de João Pedro Fonseca e foi publicado no jornal Frontal a 12 de Agosto de 2011.
Afirma-se como resposta ao meu artigo publicado no mesmo jornal na edição anterior.
Como hábito meu de garantir o direito de resposta fica aqui disponivel.
Há momentos em que quase não acreditamos naquilo que vemos, ou lemos. A lógica da construção mental que fazemos obedece a parâmetros e a valores, pelos quais nos balizamos e orientamos a nossa reacção perante aquilo a que assistimos e daí formulamos mentalmente a nossa análise e opinião.
Mas por vezes, o imprevisto acontece e a reacção pode ser imprevista. No meu caso particular e perante determinado artigo de opinião que pretendia (julgo) ser sério, só consegui rir, após ter lido e relido o texto, no mínimo quatro ou cinco vezes, pois a incredulidade aumentava à medida que avançava no texto.
Mas, opiniões são opiniões, factos são factos, e história é história. Vamos à História.!
Socorrendo-me da Wikipedia, da Infopedia, do ISCTE e dos Estatutos do Partido Comunista Português, constato que
“A Velha Guarda Bolchevique era formada pelos primeiros membros do grupo que fundaram em 1900, ou que ingressaram antes da Revolução de 1917. O termo Velho Bolchevique ficou como designação não oficial de membros do partido pré 1917. Durante o Governo de Stalin, grande parte da velha guarda foi removida do poder, durante os expurgos da década de 1920. Vários foram julgados, condenados, sentenciados à morte e executados por supostos crimes de traição à União Soviética e à revolução proletária… outros foram enviados para prisões onde eram torturados e sujeitos a trabalhos forçados ( Gulags ).”
Ficamos assim contextualizados com o termo Bolchevique…
Entretanto e por “doutrina marxista leninista de organização partidária, que teve grande desenvolvimento a partir da revolução russa, entende-se o centralismo democrático como a centralização da acção resultante da liberdade de opinião e da discussão de ideias. Há grupos de pessoas diferentes com ideias distintas, mas um modo de acção centralizadora numa estrutura única. A espontaneidade como forma de organização não pode existir, tal como a ilusão ideológica e a desorganização. Daí que o centralismo democrático tenha sido uma criação essencialmente leninista, em que o poder do todo fica a cargo da criação de um partido apto para assumir a função de vanguarda e organização de movimento. O poder fica assim centralizado numa parte esclarecida, congregadora de ideais e intelectualmente apta para cumprir o propósito da luta dos trabalhadores.”
Afinal os Bolcheviques não eram o Povo???
“A ideologia marxista leninista não atribui ao sufrágio universal o valor que lhe é dado pelas democracias ocidentais. Para Lenine, o proletariado urbano (pouco numeroso na Rússia de 1917) devia constituir a força motriz da Revolução e da edificação do Socialismo. Convencido de que a grande massa da população rural e iletrada, não votaria nos Bolcheviques (de facto nas eleições de Dezembro de 1917 para a Assembleia Constituinte, estes apenas obtiveram 25% dos votos), Lenine dissolveu a Assembleia e definiu o Partido Comunista como a “vanguarda da classe operária que deve governar em nome do proletariado”-
E para chegar aos nossos dias e à nossa realidade, 2 pequenos extractos dos Estatutos do Partido Comunista Português:
Artigo 16º
2 – são princípios fundamentais:
a), b),… h) – o cumprimento das disposições estatutárias por todos os membros do Partido e a não admissão de fracções ou entidades como a formação de grupos ou tendências que desenvolvam actividades em torno de iniciativas, propostas ou plataformas políticas próprias.
Capítulo IV – Os Órgão Superiores do Partido
2 – O Congresso é constituído por Delegados……..
Artigo 28º - A eleição do Comité Central, na base da proposta pelo Comité Central cessante….
A história repete-se, é bom, significa que continuam iguais a si próprios, mas convém não esquecer que o toucinho quando fica tempo demais guardado, acaba por ficar rançoso…
Mas há quem seja diferente e acima de tudo Livre. Livre para escolher, livre para formar grupos de opinião, livre para formar facções e tendências, livre para deixar que os outros possam ter opinião e a possam publicar livremente. E ter a liberdade de escolher e não ser expulso por ter escolhido é hoje em dia um direito obviamente consagrado, mas infelizmente não é assimilado por todos.
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