Não tenho por hábito meu responder a respostas, ainda para mais quando aparentemente desprovidas de qualquer sentido. Mas desta feita tem que ser.
Na edição passada este Jornal deu à estampa um artigo intitulado “A Escola”. Este artigo apresenta-se como sendo resposta a um por mim escrito anteriormente bem como a outro da articulista Luz Canário. Refiro desde já que falo só por mim, desconhecendo qual a posição da colega escriba.
O autor do dito texto faz prova dum total despeito pelo património imobiliário do Concelho. Desconheço quais os motivos que o levarão a tal. Mas vou, se tal me for permitido, fazer aqui uma reflexão pública.
Para entender em plenitude os motivos de tal desprendimento, para não dizer asco, pelo parque escolar Mortaguense seria talvez interessante saber em que qualidade escreve esse articulista o seu texto:
1. Será enquanto Deputado Municipal?
Se assim for representará uma visão despótica comum a toda a bancada política que integra? Será objectivo dessa força política a venda de todas as Escolas (leia-se edifícios escolares) porque nelas se perpetraram os abusos desses tempos há 36 anos idos?
E o que fazer das Escolas que foram construídas depois do 25 de Abril de 1974? Sim... porque há escolas que foram construídas depois. Que lhes fazemos? Porque essas não são testemunhas mudas dessas atrocidades que descreve o articulista. São novas demais para isso. Essas vendemo-las também ou mantemo-las como monumentos ao tempo em que os alunos já não rezam a Avé Maria e nem são são “fustigados” por não fazerem os trabalhos de casa?
2. Será enquanto ex-Vereador com responsabilidades na área da Cultura?
A ser nesta qualidade entende-se o tão grande desprezo pela memória colectiva do nosso Concelho. Porque não será demais relembrar que foi aquando da sua vereação, e como tal de sua responsabilidade pois a cultura era uma pasta sua, que se matou o Carnaval em Mortágua. E não fui eu o único a já o ter dito nas páginas deste jornal.
Lembro-me de discurso semelhante aquando do “abate” da primeira chaminé da cerâmica da Gândara. Nessa altura defendia que, já que os edifícios da cerâmica estavam irremediavelmente condenados pela nova visão do parque escolar, se mantivessem as Chaminés em memória da riqueza industrial que em tempos possuiu Mortágua e em homenagem aos Homens e Mulheres que com as suas mãos e o seu suor as construíram a partir do nada. A dada altura fui até chamado de comunista reles por defender um monumento à exploração dos trabalhadores, coisa tão em voga nos mesmos tempos idos antes daquela madrugada de Abril.
Mas no fim de tarde em que tentaram deitar abaixo a primeira Chaminé não se viu nem Vereador da Cultura nem qualquer outro alto dignitário do Concelho para testemunhar o abate de tão horrível monumento. Não... não se viu nada disso. O que se viu, o que eu vi enquanto lá estive, eram Homens Grandes, de barba rija, como se diz, e muitos cabelos brancos a tentarem a todo o custo segurarem uma lágrima que teimava em escorrer pela cara. Homens que a cada “tiro” não conseguiam mais segurar essa lágrima e a deixavam escorrer para logo outra tomar o seu lugar. Tiro após tiro, após tiro, após tiro, após lágrima, após lágrima... Todo o símbolo duma vida deitado abaixo porque a era moderna e o progresso não se coadunam com essas coisas da “memória opressiva”.
3. Poderá ser ainda na qualidade de co-proprietário duma Escola Profissional...
A ser este o caso será talvez de relembrar ao articulista que a tal Escola Profissional reside num edifício onde em tempos foi um Colégio. Um Colégio desses com a fotografia do Presidente do Conselho ao lado do Crucifixo. Um Colégio onde os alunos levavam reguadas por não fazerem os trabalhos de casa.
Sinto-me tentado a perguntar: não o incomoda essa próximidade com tão hediondas memórias? Coabitar, ainda quem com quase 40 anos de intervalo temporal, como esses abusos e suplícios infligidos aos filhos do Povo. Não o perturba?
Mas será ainda de lembrar que já depois de se tirarem as fotografias e os símbolos religiosos das paredes um director houve que nos corredores distribuía chapada a torto e a direito pelos alunos. Nos corredores desse Colégio liberado do jugo opressor da Mocidade Portuguesa e dos medos da defesa dos Territórios Ultramarinos.
Deite-se tudo abaixo. Tudo o que possa lembrar esses nefastos tempos. Ou deite-se abaixo, ou venda-se para ficar ao serviço do interesse privado. Esqueça-se é de uma vez por todas que tão macabros lugares estiveram algumas vez em contacto directo com as populações.
E depois, senhor articulista, o que nos resta? Quando tivermos vendido os dedos e os anéis o que vamos vender? Vendemos o pouco que nos resta da alma, aqueles que ainda a têm? Já em tempos referi um personagem de Gabriel Garcia Marques que até o mar do seu país tinha vendido aos americanos. Mais não restando, no local onde antes era uma praia agradável e acolhedora, do que um infindável e estéril areal pardo.
Esses tempos não voltam, caro articulista. Não tenha medo. Mais não seja porque não há já pinhais através dos quais possamos ir à chuva. Porque também aqui a modernidade e o progresso impuseram a sua força e alteraram a paisagem do Concelho.
Por fim resta-me dizer que, felizmente, nunca fui para a Escola descalço. Nem nunca fui a pé pelo pinhal à chuva e ao frio. Correu-me bem. Talvez os tempos fossem já outros.
Mas agradeço por ter partilhado comigo, e com os demais leitores afortunados como eu, a angustia dessa tão pessoal experiência.
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