A Palavra Livre de Mortágua

Sexta-feira, 29 de Julho de 2011
Dos Partidos e a sua Democracia Interna, ou a Pleonástica Arte da Bajulação

Nos passados dias 22 e 23 de Julho tiveram lugar, num acto alvitrado como da maior democracia possível, as eleições para Secretário-Geral (SG) do Partido Socialista (PS). Coerentes com a posição defendida pelo seu fundador Mário Soares no famoso debate com Álvaro Cunhal, em que o primeiro afirmou a diferença basilar entre o Partido Comunista Português e o seu: o primeiro Bolchevique e o segundo Menchevique – em alusão à divisão entre as visões do futuro da maioria e da minoria saídas do acto revolucionário que deu origem à União Soviética.

Para os menos dados à História relembrar que a grande diferença entre as duas correntes emergentes da Revolução de Outubro tinham a ver com a origem da classe dirigente. Enquanto os Bolcheviques defendiam que esta deveria emanar directamente da classe operária, os Mencheviques acreditavam numa elite “iluminada” e formada/treinada para o efeito de conduzir os nossos desígnios.

A escolha de eleição do seu SG por escrutínio directo, leia-se universal e secreto, é uma opção que o PS é livre de tomar. Usam-se dos meios de comunicação social para transmitir a sua ideia aos Militantes. Claro que esta comunicação pode ser enviesada pela maior influência que um ou outro candidato possa ter nos meandros da comunicação social. Mas, creiamos nesse dogma da equidistância e isenção dos órgãos de comunicação social. O que os candidatos a SG do PS vieram apresentar foram visões pessoais (?) e individuais (?) de como o seu Partido se deve reger no futuro próximo, remetendo os demais Militantes do seu Partido a meros avalistas dum ou de outro projecto.

Eleito que está o SG, bem como os delegados ao Congresso (nesta situação específica), resta ao recém-eleito ir de “terra-em-terra” apregoar a sua visão do futuro, preparando assim as bases para o Congresso.

Em qualquer organização política e/ou social, o Congresso é o ponto máximo de debate de ideias. Neste órgão máximo estão reunidos todos os Militantes, representados pelos seus Delegados. Delegados estes que, a meu ver, iriam representar a opinião daqueles que os escolheram como representantes. Isto pelo menos na minha visão Bolchevique das coisas. Mas com delegados eleitos em listas afectas às moções apresentadas (neste caso) pelos candidatos a SG, será caso para nos perguntarmos sobre quem é que estes delegados representam. À boa forma Menchevique estes Delegados são uma forma de dar mais poder à elite que representam e retirar a palavra às bases. A menos que as listas de Delegados ao Congresso sejam feitas por sorteio a aprovação da moção cujas listas mais Delegados elegeram estará virtualmente garantida.

Eleito que está o Líder e virtualmente aprovada a orientação política do Partido resta pois apregoar a boa nova. No Congresso teremos ovações e encorajamentos, tecer-se-ão louvores ao novo Líder e à sua visão. Todos, ou quase, em uníssono. Aos que não se reviram em nenhuma das moções previamente apresentadas e que consigam, miraculosamente, ser eleitos Delegados resta-lhes estoicamente fazer a defesa da sua ideia com plena consciência de que de nada servirão as suas palavras, pois a elite não bebe das bases, mas sim o contrário.

Mais tarde, quando o líder cair em desgraça, e abandonar o palco principal poucos serão os que o apoiam. Menos ainda serão os que afirmarão ter por ele votado, pois essa é a vantagem do voto secreto – poder virar a casaca sem que ninguém por isso dê conta. Discretamente todos irão apoiar o novo líder, pois é do lado dos que ganham que se quer estar. E como quem ganha é sempre um predestinado Menchevique, então é do lado dos “grandes” que se quer estar.

Ao Militante de base, resta-lhe esperar pelo restolho da divisão do espólio. Sem nada a dizer na condução dos desígnios do seu Partido enquanto se encontrar nessa condição de base terá que subir “a pulso” cedendo e cobrando favores às elites. Juntar-se o mais possível a eles e, quiçá um dia, ser um deles. Temos então os boys e seus jobs, tal qual os aios dos grandes cavaleiros que se sentavam a um canto da sala do banquete à espera que o seu senhor lhes atirasse um naco de algo comestível.

Mas pronto, em casa de cada um faça-se como cada qual.

E gostaria de apresentar as minhas saudações ao novo Secretário-geral do Partido Socialista. Saudá-lo especialmente pela eficácia da máquina que vai conduzir, e isto sobretudo no que toca à capacidade administrativa do seu Partido, e pela consciência de participação eleitoral dos seus Militantes.

No dia 21 de Julho titulava o Jornal de Notícias que “Cerca de 20 mil Militantes do PS podem votar”. Esta notícia apresentava como fonte o secretário nacional do PS para a Organização, André Figueiredo. Era dito que só 20 mil Militantes teriam a quotas em dia, portanto só esses teriam a capacidade de votar.

No dia 24 de Julho Diário de Notícias trazia os resultados do processo eleitoral interno: António José Seguro com 23.903 votos; Francisco Assis 11.257; Brancos 216; nulos 151. Tudo isto somado dá 35.527 votos, ou seja 15 mil a mais que os possíveis anunciados 3 dias antes. Um aumento de mais de 75%.

Partindo do princípio que todos os 20 mil anunciados no dia 21 de Julho votaram, o PS cobrou quotas a 15 mil Militantes em apenas 2 dias, ou seja 7.500 por dia, demonstrando assim uma grande apetência administrava financeira.

Isto, pontuado das acusações de Francisco Assis de que algumas urnas de voto já continham à hora de abertura das mesas votos no seu opositor, vem talvez esclarecer-nos quanto à Menchevique forma de fazer política «democrática».

Se dentro de casa se portam assim, como serão eles capazes de se portar no exterior.


sinto-me:

publicado por Mário Lobo às 10:00
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